
Depois de se reunirem em 12 círculos menores, os participantes
do Sínodo para Amazônia entregaram seus relatórios com as propostas para o
documento final que será entregue ao Papa Francisco. Esses documentos não são
conclusivos, serão discutidos ao longo da próxima semana até o fim dos
trabalhos no dia 26 de outubro. O momento dos círculos menores foi a
oportunidade de os participantes formarem pequenos grupos de aprofundamento,
nos quais os padres sinodais foram subdivididos para discutir temáticas específicas.
Veja, abaixo, algumas das propostas:

Diálogo ecumênico e reconhecimento que a Igreja não é uma ONG
A Igreja tem a tarefa de acompanhar o trabalho dos defensores dos direitos humanos, muitas vezes criminalizados pelas autoridades públicas. Ao mesmo tempo, deve evitar ser confundida com uma ONG. Este risco, junto com o de se apresentar sob um disfarce puramente ritualístico, muitas vezes causa a saída de tantos fiéis, que buscam respostas para sua sede de espiritualidade, para seitas religiosas ou outras confissões. O pedido é para prosseguir o diálogo ecumênico e inter-religioso.
Ministerialidade, leigos e
rejeição ao clericalismo
Reforçou-se a importância de um ministério de presença, que evite todo
clericalismo. Nesse sentido, é encorajada a atuação mais presente dos leigos.
Em quase todos os círculos menores, o pedido vem para aprofundar o significado
de “Igreja Ministerial”, que é uma Igreja onde responsabilidade e compromisso
dos leigos coexistem. Por exemplo, um círculo propõe que ministérios equivalentes
sejam dados a homens e mulheres, evitando, contudo, o risco de clericalizar os
leigos. Em nível geral, propõe uma reflexão cuidadosa sobre os ministérios da
Palavra, para que sejam bem-vindas as mulheres, religiosas ou leigas,
devidamente treinadas e preparadas.
Sacerdócio
e a proposta dos padres casados na Amazônia (viri probati)
Nessa temática, as perspectivas diferem entre um grupo de trabalho e outro. Foi
salientado que o valor do celibato, um presente a ser oferecido às comunidades
indígenas, não está em questão. Um dos círculos, de língua italiana, alerta
contra o risco de que esse valor seja enfraquecido ou que a introdução de viri
probati possa enfraquecer a missão missionária da Igreja
Universal a serviço das comunidades mais distantes. A maioria dos relatórios,
principalmente os de língua espanhola e portuguesa, visando uma Igreja “de
presença” ao invés de “visita”, expressou-se favorável a conferir o presbitério
a homens casados, de boa reputação, preferencialmente nativos, escolhidos das
comunidades de origem, mas em condições específicas. Ressalta-se que esses
sacerdotes não devem ser considerados de segunda ou terceira categoria, mas
como verdadeiras vocações sacerdotais. Solicitou-se não se esquecer do drama
das muitas populações que atualmente recebem os sacramentos na Amazônia uma ou
duas vezes por ano; também foi pedido que se fortalecesse nas comunidades
locais a conscientização de que não apenas a Eucaristia, mas também a Palavra
representam um alimento espiritual para os fiéis.

Crise vocacional e formação
sacerdotal
Considerando a amplitude do território amazônico e a escassez de ministros, foi
levantada a hipótese de criação de um fundo regional para a sustentabilidade da
evangelização. Além disso, o círculo de língua italiana expressou
“perplexidade” sobre “a falta de reflexão sobre as causas que levaram à proposta
de superar o celibato sacerdotal de alguma forma, como expresso pelo Concílio
Vaticano II e pelo subsequente magistério”. Ao mesmo tempo, espera-se uma
formação permanente no ministério destinada ao sacerdote para Cristo e
exorta-se o envio de missionários à Amazônia que atualmente exercem o
ministério sacerdotal na parte norte do mundo. Em face da crise vocacional, os
círculos menores observam uma diminuição substancial na presença de religiosos
na Amazônia e pedem uma renovação da vida religiosa, que, sob o ímpeto da
Confederação Latino-Americana de Religiosos, CLAR, promovida com ardor,
principalmente no que diz respeito à vida contemplativa.
Os olhos também se concentraram na formação dos leigos: é integral e não apenas doutrinal, baseada na doutrina social da Igreja e leva à experiência e encontro com o Ressuscitado. Ao mesmo tempo, propõe-se fortalecer a formação de padres: não é apenas acadêmica, deve ocorrer nos territórios amazônicos e prever experiências concretas da Igreja em saída, ao lado dos que sofrem, nas prisões ou nos hospitais. Também foi pedido o estabelecimento de seminários indígenas onde a teologia local pudesse ser estudada e aprofundada.
Mulher e diaconato
O tema das mulheres está presente várias vezes com a intenção de reconhecer o grande
valor oferecido pela presença feminina em seu serviço específico à Igreja na
Amazônia. Solicita-se garantir, por exemplo, no local de trabalho, o respeito
pelos direitos da mulher e a superação de qualquer tipo de estereótipo. O
pedido para prestar atenção à questão do diaconado para mulheres na perspectiva
do Vaticano II surgiu na maioria dos círculos menores, considerando que muitas
funções desse ministério já são realizadas por mulheres na região. Em mais de
uma intervenção, no entanto, foi sugerido que o assunto deveria ser estudado em
outra assembleia de bispos, na qual as mulheres pudessem ter poder de voto.
Igreja que caminha do lado dos
pobres e contra todas as formas de violência
Um imperativo para a Igreja é ouvir o clamor dos povos e da terra; não fique
calado, fique do lado dos pobres para não cometer erros e dizer “basta de
violência”. A realidade violenta na Amazônia tem várias faces: violência em
prisões superlotadas; abuso e exploração sexual; violação dos direitos dos
povos indígenas; assassinato de defensores territoriais; tráfico de drogas;
extermínio da população jovem; tráfico de pessoas; cultura do feminicídio e
machista; genocídio, biopirataria, etnocídio e todos os males a serem
combatidos porque matam a cultura e o espírito. Condena-se a violação
sistemática relacionada ao desmatamento, que é clara. Alguns grupos destacaram
a conexão entre abuso contra os mais fracos e abuso contra a natureza. Entre as
várias emergências destacadas, foi dado amplo espaço ao tema da crise climática.
Novo caminho sinodal e universal
As propostas foram unânimes em expressar a esperança de que um novo caminho
sinodal se desenvolva na Amazônia e que, a partir da assembleia de bispos no
Vaticano, exista uma ardente paixão missionária própria de uma verdadeira
Igreja em saída. A esperança é que a forma de viver na Amazônia se encontre com
a experiência das bem-aventuranças: de fato, à luz da Palavra de Deus, ela
atinge sua plena realização. Nas propostas, os participantes destacam: o Sínodo
para Amazônia não é apenas regional, mas universal, porque o que acontece na
Amazônia preocupa o mundo inteiro.
Observatório Eclesial
Internacional de Direitos Humanos
São os nativos que pagam o preço mais alto com suas vidas, porque não são
assistidos, não são protegidos em seus territórios. É por isso que mais de um
círculo menor pediu a criação de um Observatório Internacional de Direitos
Humanos, acreditando que a defesa dos povos e da natureza deve ser
prerrogativas da ação eclesial e pastoral. Também foi sugerido que as paróquias
criem espaços que promovam segurança a crianças, adolescentes e pessoas
vulneráveis. O direito à vida de todos é reafirmado desde a concepção até a
morte natural.
Diálogo intercultural e
inculturação
Os círculos menores pedem para se consolidar uma teologia e um cuidado pastoral
com um rosto indígena. O diálogo intercultural e a inculturação não são
antitéticos. A tarefa da Igreja não é decidir pelo povo amazônico ou assumir
uma posição de conquista, mas acompanhar, caminhar junto em uma perspectiva
sinodal de diálogo e escuta. Por exemplo, a proposta de introduzir um “Rito
Amazônico”, que permita desenvolver-se sob o aspecto espiritual, teológico,
litúrgico e disciplinar a riqueza singular da Igreja Católica na região, está
avançada. Conforme explicado em um dos relatórios, “símbolos e gestos das
culturas locais podem ser valorizados na liturgia da Igreja na Amazônia,
preservando a unidade substancial do rito romano, uma vez que a Igreja não
deseja impor uma rígida uniformidade naquilo que não afeta a fé” .
Também é sugerida a promoção do conhecimento da Bíblia, favorecendo sua tradução para os idiomas locais. Nessa perspectiva, foi proposta a criação de um Conselho Eclesial da Igreja Amazônica, uma estrutura eclesiástica ligada a Celam, Repam e às Conferências Episcopais dos países amazônicos. “A cosmovisão amazônica – afirma-se em um dos relatórios – tem muito a ensinar ao mundo ocidental dominado pela tecnologia, muitas vezes a serviço da idolatria do dinheiro”. Os povos amazônicos consideram seu território sagrado: deve-se incentivar uma reflexão sobre o valor espiritual do bioma, a biodiversidade e o direito à terra. Por outro lado, a proclamação do Evangelho e a originalidade da vitória de Cristo sobre a morte, respeitando a cultura dos povos, devem ser consideradas um elemento essencial para abraçar e entender a cosmovisão amazônica.
Missionário e martírio
O missionário é chamado a despir-se da mentalidade colonial, superar os
preconceitos étnicos, respeitar os costumes, rituais e crenças. As
manifestações com as quais os povos expressam a fé são apreciadas, acompanhadas
e promovidas. Sugeriu-se a criação de um Observatório Social Pastoral Amazônico,
em coordenação do Celam, com as comissões de justiça e paz das dioceses e a
Repam. Luzes e sombras devem ser reconhecidas na história da Igreja na
Amazônia. É preciso fazer uma distinção entre a Igreja “indigenista”, que
considera os nativos como receptores passivos da pastoral e a Igreja “indígena”
que os inclui como protagonistas de sua própria experiência de fé, segundo o
princípio “Salvar a Amazônia com a Amazônia”. Também é importante valorizar o
exemplo luminoso dado por muitos missionários e mártires que deram a vida na
Amazônia por causa do evangelho. Um dos círculos propõe incentivar os processos
de beatificação dos mártires da Amazônia.
Migração, juventude e cidades
As populações em isolamento voluntário não são esquecidas. Segundo as propostas
devem ser acompanhadas pelo trabalho de equipes missionárias itinerantes.
Espaço também para o tema da imigração, especialmente de jovens. Hoje 80% da
população amazônica está nas cidades. Fenômeno que frequentemente afeta
negativamente na perda de identidade cultural, marginalização social,
desintegração ou desestabilização familiar. A evangelização de centros urbanos
está se tornando cada vez mais urgente, mas o cuidado pastoral deve se adaptar
às circunstâncias sem esquecer as favelas, os subúrbios e as realidades
rurais. Há também uma necessidade urgente de um ministério para jovens
renovado. Na frente pedagógica, pede-se à Igreja que promova decisivamente a
educação intercultural bilíngue e incentive uma aliança de redes universitárias
especializadas em ciências da Amazônia e no ensino superior intercultural para
os povos indígenas.
Proteção da Criação e dimensão
ecológica
A dimensão ecológica é central nos círculos menores, onde é reiterado que a
Criação é uma obra-prima de Deus, que toda a criação está relacionada. Pede-se
para não se esquecer que “uma verdadeira conversão ecológica começa na família
e passa de uma conversão pessoal para um encontro com Jesus”. A partir dessa
premissa, é imperativo abordar as questões mais práticas, como mudanças
climáticas e emissões de CO2. Um estilo de vida mais sóbrio é incentivado e a
proteção de bens preciosos incomparáveis, como a água, um direito humano
fundamental que, se privatizado ou contaminado, corre o risco de comprometer a
vida de comunidades inteiras. Destaca-se também o valor das plantas medicinais,
bem como o desenvolvimento de projetos sustentáveis, por meio de cursos que
levam ao conhecimento dos segredos e sacralidades da natureza segundo a visão
amazônica. Alguns círculos propõem desenvolver projetos de reflorestamento no
âmbito de escolas de treinamento em técnicas agrícolas.
Pecado ecológico e a promoção
de uma economia solidária
Há a dupla proposta de inserir o tema da ecologia integral nas diretrizes das
Conferências Episcopais e de incluir na Teologia Moral o respeito pela Casa
Comum e os pecados ecológicos, também por meio de uma revisão dos manuais e
rituais do Sacramento da Penitência. A humanidade está caminhando para o
reconhecimento da natureza como sujeito da lei. “A visão antropocêntrica
utilitária é obsoleta e o homem não pode mais sujeitar os recursos da natureza
a uma exploração ilimitada que põe em perigo a própria humanidade”. É
necessário contemplar a imensa coleção de formas de vida do planeta em relação
umas às outras, promovendo também um modelo de economia solidária e
estabelecendo um ministério para o cuidado da Casa Comum.
Sínodo na Amazônia e comunicação
Finalmente, alguns relatórios deram espaço ao tópico da mídia. As redes de
comunicação católica são incentivadas a colocar a Amazônia no centro das
atenções, a divulgar boas notícias e a denunciar todos os tipos de agressão à
mãe terra e a anunciar a verdade. Também foi proposto o uso de redes sociais,
web rádio, web TV e comunicação via rádio a fim de disseminar as conclusões
deste Sínodo. A esperança é que o Sínodo, com a força do “rio Amazonas”,
transborde com os muitos dons e ideias oferecidos à reflexão dos padres
sinodais e que, a partir dessa experiência de caminhar juntos, novos caminhos
possam surgir para a evangelização e a ecologia integral.
(Fonte: site CNBB)