Como posso merecer que a mãe do meu Senhor venha visitar-me?

39Naqueles dias, Maria partiu para a região montanhosa,
dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judéia.
40Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel.
41Quando Isabel ouviu a saudação de Maria,
a criança pulou no seu ventre
e Isabel ficou cheia do Espírito Santo.
42Com um grande grito, exclamou:
“Bendita és tu entre as mulheres
e bendito é o fruto do teu ventre!”
43Como posso merecer
que a mãe do meu Senhor me venha visitar?
44Logo que a tua saudação chegou aos meus ouvidos,
a criança pulou de alegria no meu ventre.
45Bem-aventurada aquela que acreditou,
porque será cumprido, o que o Senhor lhe prometeu”.
46Maria disse:
“A minha alma engrandece o Senhor,
47e se alegrou o meu espírito em Deus, meu Salvador,
48pois, ele viu a pequenez de sua serva,
eis que agora as gerações hão de chamar-me de bendita.
49O Poderoso fez por mim maravilhas
e Santo é o seu nome!
50Seu amor, de geração em geração,
chega a todos que o respeitam.
51Demonstrou o poder de seu braço,
dispersou os orgulhosos.
52Derrubou os poderosos de seus tronos
e os humildes exaltou.
53De bens saciou os famintos
despediu, sem nada, os ricos.
54Acolheu Israel, seu servidor,
fiel ao seu amor,
55como havia prometido aos nossos pais,
em favor de Abraão e de seus filhos, para sempre”.
56Maria ficou três meses com Isabel;
depois voltou para casa.

                                         Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

Muitos de nós tivemos a graça de ouvir esta singela canção: “No céu, no céu, com minha mãe estarei”, quando éramos embalados no colo de nossa mãe ou avó, ainda crianças. Certamente não tínhamos capacidade de fazer elucubrações teológicas, nem muito menos criticar essa afirmação não tão compreensível do ponto de vista racional. Mas certamente, essa canção, com a sua tranquilizadora sonoridade unida ao aconchego acalentador dos braços de quem nos embalava, conduzia-nos a uma tão grande segurança e abandono que acabávamos mergulhando profundamente no sono necessário e restaurador.

A Solenidade da Assunção de Maria, antes mesmo de nos recordar uma afirmação dogmática proclamada oficialmente pela Igreja (Pio XII, 01.11.1950), proporciona-nos uma das mais belas capacidades do ser humano enquanto caminha na terra, isto é, poder olhar para o céu, reconhecer que a sua estrada não se dirige para um abismo desolador, mas é pista de decolagem para alçar o voo cujo destino é a plenitude da vida.

Crer que Maria foi elevada aos céus é uma consequência natural de crer que o seu Filho, morto e ressuscitado, encarnou-se verdadeiramente, assumiu a nossa condição humana para redimi-la, elevá-la. Jesus voltar para o céu sozinho era levar consigo um atestado de obra não concluída, missão frustrada. Maria elevada ao céu, depois do Filho, é prova de que, de fato, tudo está consumado.

A celebração de hoje nos ajuda a sintonizarmos com uma verdade que reafirma o poder do Altíssimo, que fez grandes coisas na sua pobre e humilde serva, chamando-a de Nazaré para um dia ser do céu. Entre essas grandes maravilhas que o Todo-poderoso realizou nela, resplandecem a sua eleição e vocação: “Achaste graça diante de Deus”, a sua Maternidade Divina: “De onde me vem a graça que a Mãe do meu Senhor venha me visitar”, e o dom da salvação a ela concedido, pois foi preservada de toda mancha de pecado, tornando-se a primeira morada no mundo da Palavra Encarnada: “O Espírito Santo descerá sobre ti”. Portanto, quem a quis como sua morada na Terra, certamente a levou para habitar na sua morada no céu.

Maria é a obra prima das mãos de Deus na nova criação. Ele a quis como Mãe do Vivente, do Primogênito dentre os mortos. Portanto, como poderia a Mãe Daquele que vive para sempre não ter parte na sua ressurreição, uma vez que participou da sua vida e da sua morte?! Como poderia jazer na sombra da morte, e ser aprisionada num túmulo, aquela que acolheu no seu seio o autor da vida e o vencedor da morte?! Como poderia permanecer no sono da morte, aquela que foi feita a aurora da Salvação, aquela que presenciou o raiar do novo dia e foi iluminada pela luz que não se apaga?!

A subida de Maria para os céus não se deu apenas no momento de sua morte, pois toda a sua vida foi um constante elevar-se para Deus. Indo à casa de Isabel para testemunhar o impossível do poder de Deus, que faz da estéril, mãe feliz em sua casa (cf. Sl 113,9), ela é proclamada também feliz por ter aceitado ser a casa de Deus, ao acolher no seu ventre o fruto bendito.

Ao receber Maria em sua casa, Isabel dá o grande testemunho de que está diante de alguém que se tornou o céu na terra, isto é, a morada do Altíssimo, a magnitude do grito da anciã (grego: anefovesen kraugê megalê: proferiu em grito grande) não está tanto no volume de sua voz, mas na grandeza daquilo que ela proclama, pois estava cheia do Espírito Santo ao exclamar: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!Alegria de Isabel e os pulos de exultação de seu filho, o maior profeta nascido de mulher (cf. Mt 11,11), indicam que a profecia de Isaías está se cumprindo: “Entoa alegre canto, ó estéril, que não deste à luz; ergue gritos de alegria, exulta, tu que não sentiste as dores de parto…” (Is 54,1). São Paulo vai atribuir essas palavras à Igreja, a quem chama a Jerusalém do Alto (Gl 4,27), o novo Povo de Deus.

Isabel reconhece em Maria esse novo povo, não mais formado por laços de sangue ou de membros de uma raça, mas um povo reunido pela mesma fé: Bem-aventurada aquela que acreditou” (note-se que não diz “tu”, mas “aquela”, modo de indicar que Maria passa de uma pessoa individual para uma personalidade corporativa, representativa de uma coletividade). Na tradição bíblica, tanto o povo de Israel quanto a Igreja são representados por uma mulher (esposa, noiva, a mulher da 1ª leitura).

Maria responde à proclamação de Isabel, com o Magnificat, cântico-memorial dos grandes feitos do Todo-Poderoso ao longo da história do seu povo e ao mesmo tempo reconhece sua pequenez, assumindo o compromisso de continuar sendo a serva do Senhor, ainda que tenha sido elevada à dignidade de mãe do Rei; e mesmo sentada à sua direita, por direito, “com veste esplendente de ouro de Ofir”,continua junto ao seu povo anunciando aos humildes e famintos, que o Todo-Poderoso realiza o que promete, pois é fiel à sua aliança.

O Documento de Puebla (297) afirma que o Magnificat é o “Espelho da alma de Maria, o cume da espiritualidade dos pobres de Javé e do profetismo da Antiga Aliança e o prelúdio do Sermão da Montanha”. Assim como no Antigo Testamento, o Magnificat assemelha-se a um salmo de louvor, composto de três partes, isto é, um convite ao louvor de Deus: “A minha alma engrandece o Senhor”. É Maria quem toma a iniciativa e não apenas sugere que outros louvem a Deus. Muitas vezes nossas liturgias são deformadas porque há quem está à frente convida a assembleia a louvar, a rezar, mas ele mesmo não reza. Em seguida, Maria enumera os motivos pelos quais a sua alma prorrompe no louvor, ou seja, não faz afirmações genéricas e repetitivas, mas elenca as ações salvadoras de Deus em favor do seu povo, pois o Senhor é poderoso, sábio e misericordioso. Por fim, Maria conclui o seu louvor afirmando que tudo aquilo que o Senhor realiza é cumprimento de suas promessas, das quais Ele não se esquece, pois mantém-se fiel. Cantar o Magnificat é reconhecer a ação de Deus que atinge tanto a pessoa quanto a humanidade, passando pelo testemunho de um povo concreto. Cantar o Magnificat é crer que tornar-se serva do Senhor, abaixar-se para o serviço, é o caminho mais seguro para chegar ao mais alto dos céus, é estar ao lado do Senhor que se tornou servo de todos.

Dom André Vital Félix da Silva, SCJ. Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE. Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana.