Outorga da MEDALHA “JOSÉ MARIANO”
a Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo Metropolitano de Olinda e Recife

Brasão_Dom_Saburido

Câmara de Vereadores do Recife,
28 de agosto de 2015, 15h

No passado 01 de dezembro de 2010, segundo ano de meu ministério como Arcebispo de Olinda e Recife, tive a alegria de ocupar essa tribuna para agradecer a outorga do título de Cidadão Recifense, proposta pelo então Vereador Josenildo Sinésio da Silva. Hoje, nos primeiros dias do meu sétimo ano à frente desta Arquidiocese, aqui retorno para receber a honrosa Medalha “José Mariano”, nesta casa do povo.

Minha primeira palavra é de agradecimento ao caríssimo Vereador Aerto Luna, propositor, e a toda a bancada que aprovou a proposição. Ao amigo Aerto agradeço não só a indicação do meu nome, massua sensibilidade pastoral, como católico que é, convocando a audiência pública sobre a CF-2015, que teve por tema “Fraternidade: Igreja e Sociedade”, e o lema “Eu vim para servir”, da qual participou o nosso Bispo Auxiliar, Dom Antonio Tourinho Neto; além de sua ação solidária junto às comunidades carentes dos Vicariatos Recife Sul 1 e 2,mais especificamente,nas Paróquias de Afogados,Pina, Boa Viagem, Imbiribeira e Jordão.

Sem falsa humildade, entendo que o merecimento desta medalha não é exclusivamente meu, mas de todo o conjunto dos irmãos e irmãs que assumem postos estratégicos para o desenvolvimento da ação evangelizadora, do trabalho pastoral e organização administrativa desta nossa Igreja Particular: os irmãos bispos, sacerdotes, diáconos, religiosos e religiosas, seminaristas, leigos e leigas. Sou apenas o pastor que veio para servir, tendo como modelo o Pastor dos pastores, Jesus Cristo. Sem a colaboração da comunidade,o que poderia eu fazer diante do desafio de pastorear um território habitado por mais de quatro milhões de pessoas? Partilho, portanto, com eles essa honraria e que elanos sirva de estímulo para continuar nossa luta pela implantação do Reino de Deus, motivando sempre mais pessoas a encontrar no Evangelho o verdadeiro sentido da vida.

Recebo, hoje, a Medalha que tem o nome do pernambucano de Ribeirão, José Mariano Carneiro da Cunha, nascido em agosto de 1850, fundador do Jornal “A Província”, de filosofia abolicionista, membro da Associação Emancipatória “Clube do Cupim”, da qual participava também o famoso escritore, sobretudo, político exemplar, Joaquim Nabuco,modelo para os atuais representantes do povo, nos poderes legislativo e executivo. José Mariano foi Deputado Constituinte de 1890 e Prefeito da cidade do Recife, a partir do ano seguinte. Tanto como Deputado, como no ofício de Prefeito, continuou a sua luta pela promoção dos antigos escravos e pela dignidade humana e igualdade social de todos os cidadãos. Sabem os Vereadores desta cidade que, com o fim da escravidão legalizada, os senhores de escravos simplesmente os jogaram nas ruas,sem nenhum amparo, sem nenhuma indenização, nem condições mínimas de vida. Sabemos que, ainda hoje, vivemos as trágicas consequências sociais e econômicas dessa política escravocrata. Assim, mesmo em bairros nobres, como Boa Viagem ou Casa Forte, sem falar no centro da cidade, temos favelas e mocambos que nos tornam semelhantes aos países mais pobres da África. Até hoje, a cada dia e a cada noite, nas periferias do Recife, como de tantas outras cidades brasileiras, mães e pais pobres choram o assassinato de seus filhos, predominantemente, adolescentes ou jovens. Na maioria dos casos, jovens pobres, negros e com baixa escolaridade, vítimas de um verdadeiro extermínio,se tornam apenas notícia, de forma depreciativa,nos meios de comunicação.Nenhum de nós pode dormir sossegado diante dessa realidade. Nenhum de nós pode se eximir da responsabilidade de transformar essa situação.

Há, exatamente, 50 anos, no início de setembro de 1965, aqui em Recife, o nosso saudoso Dom Helder Câmara lançava a Operação Esperança. Era a proposta de uma ação de solidariedade para ajudar a promoção humana que atuou em 15 áreas que chamavam, na época, de “áreas de desafio social”,em Olinda e Recife. Eram áreas de desafio ao coração humano, ao espírito de fé e à imaginação criadora. A Operação Esperança não tinha dinheiro, não queria se substituir ao governo. O que fazia era reunir as comunidades para discutir com elas a realidade, mostrar que as pessoas mesmas deveriam tomar nas mãos a responsabilidade por sua promoção humana; a sua linha de ação visava mobilizar técnicos, voluntários, estudantes, em diálogo com os órgãos competentes, a fim de suscitar ações de transformação social da realidade.

A Operação Esperança foi uma iniciativa da nossa Arquidiocese, em um período muito difícil da vida brasileira. Eram os anos iniciais da ditadura militar e os movimentos sociais não tinham liberdade. Hoje, no Brasil, vivemos uma realidade social diferente. O Papa Francisco propõe uma “Igreja em saída”, uma Igreja para fora de si mesma, que se comprometa com o mundo e os destinos da humanidade. A nossa Arquidiocese quer viver isso junto com os senhores e com toda a sociedade. Mas não compete a mim ou à Igreja conduzir esse processo. Queremos,sim,colaborar na construção de uma sociedade nova e mais justa. Para isso, no Brasil, sabemos que é indispensável uma verdadeira e profunda Reforma Política, como têm insistido a CNBB, a OAB e várias organizações sociais brasileiras, cujo projeto se encontra na pauta dos trabalhos do Congresso Nacional. É importante que os senhores, como políticos, representantes do povo, apoiem e colaborem para a aprovação desse projeto que pede o fim do financiamento de campanhas eleitorais por parte de empresas privadas e uma maior regulação dos acordos entre partidos.

Ser político é uma exigente vocação! Como seria bom que todos e todas que manifestam interesse em ingressar nessa área considerassem a política como vocação e não apenas como profissão ocasional. Jamais devemos entender a política como meio de vida ou trampolim para autoafirmação ou promoção pessoal. O vocacionado para a política deve ser um servidor humilde e defensor dos direitos fundamentais da pessoa humana. Ser a voz daqueles que não têm voz, defensor intransigente da justiça e igualdade social. Os bons políticos precisam se impor com força diante dos maus políticos para que possam mudar a mentalidade reinante de que em nenhum político se deve confiar, o que não é correto. Isso é sintomático a cada eleição, com o crescimento dos votos nulos e brancos. O nosso povo está cada vez mais atento à forma como seus representantes estão desempenhando sua atividade legislativa e executiva e não perdoam os desvios de conduta e as ambições desmedidas. Temospresenciado, por exemplo, a reação do povo,em diversas cidades brasileiras, diante de determinadas Câmaras de Vereadores que, na calada da noite, aprovam aumentos de salários exorbitantes para si mesmos, enquanto os trabalhadores lutam por reajustes salariais, como medida para fazer frente à inflação, ou vivem a dolorosa experiência do desemprego. Os aposentados, por exemplo, que gastaram a sua vida no trabalho duro, pagando seus impostos e contribuindo para o bem da nação, vivem hoje um achatamento salarial sem precedentes, tendo seus ganhos reduzidos, praticamente,ao salário mínimo, além da ameaça que teve o funcionalismo público federal de receber o 13º mês, em três parcelas, fato que não se concretizou, em razão dos previsíveis efeitos negativos perante a opinião pública.

Já dizia o jornalista, escritor e dramaturgo recifense,Nelson Falcão Rodrigues: “toda unanimidade é burra”. Por isso, é muito necessário e salutar o papel da oposição. Uma oposição construtiva ajuda a avançar com responsabilidade e coerência. A oposição, porém, não pode visar, absolutamente, os interesses pessoais, mas o bem da cidade e do Estado. Afinal,deve sobressair a causa do povo que representa. É lamentável quando, na alternância de poder, o que é inteiramente democrático, os eleitos não tenham outra coisa em mente senão destruir os feitos anteriores, sem levar em conta o bem público e o investimento realizado com o dinheiro do povo, adquirido através de impostos pagos com suor e lágrima.

O nosso querido Brasil vive um tempo de grandes turbulências sociais e econômicas, geradas, em grande parte, por conta da ambição desmedida.Assim falou o mestre Rui Barbosa, baiano, político, contemporâneo de José Mariano: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantar-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”. Desanimar diante das dificuldades é a grande tentação a que não podemos ceder. Apesar das adversidades da vida, precisamos alimentar sentimentos de esperança e entender que somente pela força do diálogo e da unidade seremos capazes de transformar a sociedade e alimentar a esperança.

Com semelhante sentimento, o Papa Francisco, na sua recente Encíclica “Laudato Sí”, chama a atenção sobre o cuidado da casa comum. Ali ele propõe uma “Ecologia da vida cotidiana” (nn. 147ss), na qual destaca “o princípio dos bens comuns e a necessidade do respeito e valorização desses bens que são de todos” (nn. 156-158). Nela, o Papa retoma o Santo de Assis e nos incita a sermos muito críticos com relação à crise ecológica, muito exigentes com relação a uma profunda mudança de comportamento da humanidade, mas, ao mesmo tempo, jamais abdicar da esperança de que a faísca do amor divino nos comprometa na transformação de nós mesmos e do universo incendiado pelo amor divino.

Muito obrigado!

Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife