Brasão de dom Antônio Fernando Saburido

Arquidiocese de Olinda e Recife
(Leituras: Is 61,1-3ª.6ª.8b-9 – Ap 1,5-8 – Lc 4,16-21)
Queridos irmãos e irmãs,

Hoje, Quinta-feira Santa, quando teremos a graça de iniciar novo tríduo-pascal e rememorar o gesto de Cristo que levou o seu amor por nós ao extremo, celebramos o dia feliz da instituição do sacerdócio e da nossa ordenação presbiteral. O Senhor ungiu-nos em Cristo com o óleo da alegria, e esta unção convida-nos a acolher e cuidar desse grande dom que recebemos, apesar de nossa indignidade. Deus, no seu infinito amor escolhe exatamente os que se consideram fracos e indignos para, através deles, manifestar a sua força e o seu poder, capaz de transformar, purificar e dar vida nova ao seu povo. O sacerdote é um servidor a exemplo de Jesus Cristo que “veio para servir” (Mc 10,45), conforme nos recorda o Lema da Campanha da Fraternidade deste ano. Alegramo-nos hoje, de maneira especial, com os recém-ordenados que pela primeira vez, nessa Missa do Crisma, têm a oportunidade de renovar suas promessas sacerdotais. Unamo-nos também aos irmãos do nosso presbitério, que por justa razão estão ausentes, sobretudo os enfermos, talvez nos acompanhando pela Rádio Olinda.

No último parágrafo de minha recente mensagem para a quaresma, dirigida a toda a arquidiocese, depois de render graças a Deus pela presença e colaboração de cada um de vocês – meus queridos irmãos bispos, padres, diáconos, leigos e leigas, dizia: “Diante de todos, renovo meu compromisso de caminhar na unidade e fraternidade, segundo os ensinamentos do Evangelho. Ao iniciar juntos mais essa caminhada rumo à Páscoa, peço, humildemente, perdão pelas minhas faltas e os abençoo em Cristo Jesus”. Nesse momento, portanto, de conclusão do Tempo da Quaresma e no dia em que, conjuntamente, renovaremos nosso compromisso sacerdotal, confirmo essas palavras e asseguro-lhes o meu desejo de estreitar, cada vez mais, os laços de fraternidade entre nós, para podermos contar sempre com a necessária e indispensável presença de Jesus no meio de nós. Ele á a verdadeira Luz a iluminar nosso caminho e guiar nossos passos. A luz representada pelo círio que teremos oportunidade de acender solenemente, no próximo sábado, na noite santa da Vigília Pascal.

O evangelista Lucas nos recorda hoje o início da missão de Jesus, quando na sinagoga de Nazaré, sua terra, fazendo uso do texto do profeta Isaías afirma: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa-nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação dos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar o ano da graça do Senhor”. O projeto libertador do Mestre deve modelar o projeto de vida dos discípulos. Como escolhidos e enviados para colaborar mais intimamente com a missão de Jesus, temos hoje oportunidade de revisar nossa ação pastoral e procurar sempre mais modelar nossa vida a partir da Palavra e do Testemunho d’Aquele que nos chamou e que segue à nossa frente apontando-nos o caminho. O mundo atual necessita de santos sacerdotes, capazes de escutar e testemunhar o que professam. Verdadeiros profetas, dispostos a dar a vida pela missão e que encontrem a sua força na reflexão, na oração e no esforço de amar sem medida. Uma boa metodologia para isso é o seguimento dos passos da Lectio Divina.

Nesta quinta-feira santa, gostaria de partilhar com vocês as palavras do Papa Francisco dirigidas aos sacerdotes, religiosos e seminaristas, após encontro privado com o patriarca ortodoxo Bartolomeu I, com quem assinou uma declaração conjunta sobre a unidade dos cristãos, em maio do ano passado, na Igreja do Getsémani, em Jerusalém. Transportemo-nos espiritualmente para aquele lugar santo e escutemos com atenção as palavras do sucessor de Pedro: “Quando chega a hora marcada por Deus para salvar a humanidade da escravidão do pecado, Jesus retira-Se aqui, no Getsémani, ao pé do Monte das Oliveiras. Encontramo-nos nesse lugar santo, santificado pela oração de Jesus, pela sua angústia, pelo seu suor de sangue; santificado, sobretudo, pelo seu ‘sim’ à vontade amorosa do Pai. Quase sentimos temor de abeirar-nos dos sentimentos que Jesus experimentou naquela hora; entramos, em pontas de pés, naquele espaço interior, onde se decidiu o drama do mundo. Naquela hora, Jesus sentiu a necessidade de rezar e ter perto d’Ele os seus discípulos, os seus amigos, que O tinham seguido e partilhado mais de perto a sua missão. Mas o seguimento aqui, no Getsémani, torna-se difícil e incerto; prevalecem a dúvida, o cansaço e o pavor. Na rápida sucessão dos eventos da paixão de Jesus, os discípulos assumirão diferentes atitudes perante o mestre: de proximidade, de distanciamento, de incerteza”.

Apresentou então o Papa alguns importantes questionamentos, que muito nos servem nesse dia em que Jesus instituiu a Eucaristia e o Sacerdócio Ministerial, portanto, Dia do Padre. Escutemos pausadamente:

“Será bom para todos nós – bispos, sacerdotes, (diáconos), pessoas consagradas, seminaristas – perguntarmo-nos neste lugar: Quem sou eu perante o meu Senhor que sofre?

Sou daqueles que, convidados por Jesus a velar com Ele, adormecem e, em vez de rezar procuram evadir-se fechando os olhos frente à realidade?

Reconheço-me naqueles que fugiram por medo, abandonando o Mestre na hora mais trágica de sua vida terrena?

Porventura há em mim a hipocrisia, a falsidade daquele que O vendeu por tinta moedas, que fora chamado amigo e no entanto traiu Jesus?

Reconheço-me naqueles que foram fracos e O renegaram, como Pedro? Pouco antes, ele prometera a Jesus segui-Lo até à morte (cf Lc 22,33); depois, encurralado e dominado pelo medo, jura que não O conhece.

Assemelho-me àqueles que já organizavam a sua vida sem Ele, como os dois discípulos de Emaús, insensatos e de coração lento para acreditar nas palavras dos profetas? (cf. Lc 24, 25) Ou, então, graças a Deus, encontro-me entre aqueles que foram fiéis até ao fim, como a Vigem Maria e o apóstolo João? No Gólgota, quando tudo se torna escuro e toda a esperança parece extinta, somente o amor é mais forte que a morte. O amor de Mãe e do discípulo predileto impele-os a permanecerem ao pé da cruz, para compartilhar até ao fundo do sofrimento de Jesus.

Reconheço-me naqueles que imitaram o seu Mestre e Senhor até o martírio, dando testemunho que Ele era tudo para eles, a força incomparável da sua missão e o horizonte último de sua vida”?

Conclui, então, o Santo Padre: “Todavia esta bondade do Senhor não nos isenta da vigilância frente ao tentador, ao pecado, ao mal e à traição que podem atravessar também a vida sacerdotal e religiosa. Sentimos a desproporção entre a grandeza do chamado de Jesus e a nossa pequenez, entre a sublimidade da missão e a nossa fragilidade humana. Mas o Senhor, na sua grande bondade e infinita misericórdia, sempre nos toma pela mão, para não nos afogarmos no mar do acabrunhamento. Ele está sempre ao nosso lado, nunca nos deixa sozinhos. Portanto, não nos deixemos vencer pelo medo e o desalento, mas, com coragem e confiança, sigamos em frente no nosso caminho e na nossa missão”.

Meus queridos irmãos e irmãs, nós estamos acompanhando, nos últimos meses, o agravamento da situação no Oriente, com o extermínio de numerosos cristãos confessos pelo Estado Islâmico, sobretudo, na Síria e no Iraque. Inclusive o papa Francisco tem apelado insistentemente à ação da comunidade internacional e convocado toda a Igreja para se unir em oração e penitência. Atendendo esse apelo, no último sábado 28 de março tivemos oportunidade de realizar, ao lado da capelinha da Jaqueira, um momento de reflexão e oração denominado #EUMEIMPORTO, na intenção dos nossos irmãos/ãs perseguidos. O surgimento de movimentos islâmicos na Síria e no Iraque lança uma confusão profunda no seio das comunidades cristãs. Os sequestros de vários bispos, sacerdotes, religiosos, leigos e leigas cristãos, confirmam o ódio destes extremistas. Segundo o Arcebispo de Homs, na Síria – Dom Abdo Arbach, “os cristãos que são minoria, têm três opções: a conversão ao islamismo, o pagamento de um imposto discriminatório ou o martírio”. Temos assistido com emoção testemunhos de fidelidade e profissão de fé em Jesus Cristo de muitos deles, seguidos do martírio. A Igreja, desde os primeiros tempos, sempre foi banhada pelo sangue dos mártires. As perseguições são, portanto uma realidade de ontem, hoje e sempre. Que essa certeza nos faça crescer na unidade e fraternidade e que o sacrifício desses irmãos e irmãs, que podem ser incluídos entre os que perseveraram na vigília de Jesus no Getsémani, nos ajude a sermos decididos e destemidos diante do desafio de viver o Evangelho, enfrentando as consequências.

Somos privilegiados por fazer parte desta Igreja Particular de Olinda e Recife situada no Nordeste do Brasil, região populosa, pobre, discriminada, mas que conta com um povo bom e generoso. Ao longo da história não foram poucas as dificuldades enfrentadas nesse nosso chão. Quanto sofrimento, por exemplo, experimentou o 20º Bispo de Olinda – Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira, protagonista da chamada ‘Questão Religiosa’, no século XIX. Mais recentemente, Dom Helder Pessoa Camara e seu presbitério, durante o período da repressão militar, inclusive, com o assassinato do jovem padre Antônio Henrique Pereira. Os desafios continuam sob outras óticas e tivemos oportunidade de refletir sobre eles por ocasião da elaboração do nosso Plano Arquidiocesano de Pastoral. Diante dessa realidade, o convite é para que sejamos bons pastores a exemplo de Jesus Cristo, robustecidos sempre pela força da oração, da Eucaristia e da unidade. Que o diálogo fraterno e construtivo predomine entre nós, sem jamais ceder espaço para a indiferença e a divisão. Que a missão seja a nossa prioridade e a exerçamos de mãos dadas e com o olhar voltado para as ovelhas que Deus colocou em nosso caminho, nos alegrando com suas alegrias e, com elas partilhando as dificuldades. Em sua primeira Missa do Crisma, o Papa Francisco exortou os sacerdotes a irem às periferias, onde há sofrimento e sangue, e a serem “pastores com cheiro de ovelhas”, que não sejam meros gestores, mas mediadores entre Deus e seu povo. Segundo ele, o sacerdote que não vai às ruas, se distancia dos fiéis.

A nossa força está no Deus que nos chamou e enviou em missão. Na Prece da Ordenação, com as mãos erguidas, o bispo reza: “Nós vos pedimos, Pai todo poderoso, constitui esse vosso servo na dignidade de presbítero; renovai em seu coração o Espírito de santidade; obtenha ó Deus o segundo grau da ordem sacerdotal, que de vós procede, e sua vida seja exemplo para todos. Seja ele cooperador zeloso da ordem episcopal para que as palavras do Evangelho, caindo nos corações humanos através de sua pregação possa dar muitos frutos e chegar até os confins da terra com a graça do Espírito Santo. Seja ele juntamente conosco fiel dispensador dos vossos mistérios, de modo que o vosso povo renasça pela água da regeneração, ganhe novas forças do vosso altar, os pecadores sejam reconciliados, e os enfermos se reanimem. Esteja ele sempre unido a nós, Senhor; para implorar a vossa misericórdia em favor do povo a ele confiado e em favor de todo o mundo.”

Essa é a nossa vocação. A oração termina com as palavras: “Assim, todas as nações, reunidas em Cristo Jesus, se convertam em um só povo, para a consumação do vosso Reino.” Colaborar para a consumação do Reino deve ser a nossa meta. Isto acontece quando formamos comunidades que se amam, se respeitam, são solidárias, combatem as injustiças e anunciam a verdade. O sacerdote e o diácono têm um papel fundamental na construção desse Reino.

O texto do Apocalipse que escutamos na segunda leitura, recorda-nos que Deus fez de todos nós um novo e definitivo povo sacerdotal. O conceito de sacerdócio implica no de consagração, cujo sinal exterior é a unção com o óleo santo. Por isso a Igreja continua a consagrar o óleo que servirá para assinalar a fronte dos seus filhos e filhas.  Conforme a tradição, nesta Missa iremos consagrar o Santo Crisma para significar o dom do Espírito Santo no Batismo, na Confirmação e na Ordem.

Abençoaremos também o óleo para os Catecúmenos e os Enfermos, sinais da força que liberta do mal e sustenta na provação da doença. Estes santos óleos, distribuídos para toda a nossa arquidiocese será sinal de unidade e fonte de bênçãos, para todos os que com ele forem ungidos.

Acompanhemos com atenção e piedade esse rito, após a renovação das promessas sacerdotais que faremos agora.

Amém!

Recife, 02 de abril de 2015.

 

 

 

Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife