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“Este é o tempo favorável, o dia da salvação” (2 Cor 6, 2).

Queridos irmãos e irmãs,

A cada ano, com a Igreja, vivemos o tempo quaresmal, preparando-nos para a celebração anual da Páscoa do Senhor. Liturgicamente, a Quaresma provoca nos fiéis um consciente processo de conversão que resulte num modo de viver pascal, tanto no plano pessoal, como no nível comunitário e eclesial. A conversão, que faz parte da natureza do tempo pascal, significa passar de um modo de viver centrado em nós mesmos para uma vida nova, toda mobilizada a partir da misericórdia.

Neste ano do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, convocado pelo Papa Francisco, cuja abertura solene ocorreu no dia 8 de dezembro de 2015, somos particularmente convidados a viver, com mais empenho, esse rico tempo de conversão que começa com a Quarta feira de Cinzas, conforme orienta a Bula Misericordiae Vultus: “A Quaresma deste Ano Jubilar seja vivida mais intensamente como tempo forte para celebrar e experimentar a misericórdia de Deus. Quantas páginas da Sagrada Escritura se podem meditar, nas semanas da quaresma, para redescobrir o rosto misericordioso do Pai! Com as palavras do Profeta Miqueias, podemos também nos repetir: Vós, Senhor, sois um Deus que tira a iniquidade e perdoa o pecado, que não Se obstina na ira mas Se compraz em usar de misericórdia. Vós, Senhor, voltareis para nós e tereis compaixão do vosso povo. Apagareis as nossas iniquidades e lançareis ao fundo do mar todos os nossos pecados (cf. 7,18-19)”. Já no dia 11 de outubro de 1962, em sua alocução de abertura do Concílio Vaticano II, cujos 50 anos de sua conclusão celebramos no dia 08 de dezembro passado, o Papa São João XXIII afirmava: “Em nossos dias, a Igreja, Esposa de Cristo, prefere usar mais o remédio da misericórdia do que o da severidade. (…) Ela deseja mostrar-se mãe amorosa de todos; benigna, paciente, cheia de misericórdia e bondade com os filhos dela separados”. No encerramento do Concílio, disse o Papa Paulo VI: “Desejamos notar que a religião do nosso Concílio foi, antes de tudo, a caridade (…) Aquela antiga história do bom samaritano foi exemplo e norma segundo as quais se orientou o nosso Concilio”. As leituras da Quaresma, especialmente neste ano em que lemos o Evangelho de Lucas, nos indicam que a misericórdia não pode ser apenas um sentimento de piedade diante do sofrimento alheio.  A misericórdia deve ser o principio mobilizador, a referência de nossa vida, tornando-nos pessoas geradoras de justiça, paz, perdão e alegria. A misericórdia nasce no mais íntimo do coração humano, mas deve também se expressar no espaço público, provocando a transformação da realidade. Por isso, uma das exigências da misericórdia é o cuidado e o respeito aos direitos de cada pessoa e da comunidade humana, como um todo.

O Ano da Misericórdia fala às nossas paróquias para que sejam mais e mais acolhedoras e abertas a todas as pessoas de boa vontade, católicas/cristãs ou não. Especialmente nós, pastores do povo de Deus, cuidemos para que nossa linguagem e atitude pastoral nunca sejam de quem detém nas mãos o poder sagrado; somos apenas testemunhas e instrumentos de um Deus que é Amor e acolhe a todos, como o pai do filho pródigo (Evangelho do 4o domingo da Quaresma). Só pode ser essa a nossa atitude, ao exercer o “ministério da reconciliação”. O Papa nos lembra que somos servidores e não detentores do perdão divino. Esse mistério do perdão se expressa no sacramento da penitência, realizado de um modo mais pascal. Como será importante que neste Ano da Misericórdia possamos nos beneficiar e oferecer mais intensamente a graça deste sacramento, inclusive, disponibilizando-nos para o mutirão de atendimento que acontecerá na Matriz do Santíssimo Sacramento, na Boa Vista, em Recife, organizado pela Comissão Arquidiocesana de Liturgia.

O Ano da Misericórdia deve tomar também outras expressões queridas do povo, como romarias e a prática das chamadas “obras de misericórdia corporais e espirituais”. Não se trata apenas de atitudes ocasionais, como fazer campanhas para ajudar em situações emergenciais ou articulações diante das condições lamentáveis de muitas de nossas comunidades, sobretudo na periferia, ainda sem saneamento básico e expostas ao mosquito aedes aegypti, vetor de doenças, como a dengue e febre chikungunya que ameaçam o país, e do zika que tem causado muita apreensão em gestantes do nosso Estado e de outros Estados do Brasil, diante do registro do nascimento de muitas crianças com a microcefalia. Deus pede que nós nos organizemos de modo sistemático e permanente, através das pastorais sociais em cada comunidade, não como apêndice de nossa ação paroquial e sim como fruto da nossa participação no mistério celebrado na Eucaristia.

Na nossa Arquidiocese de Olinda e Recife, a Quaresma de 2016 coincide com o começo do ministério paroquial de muitos irmãos presbíteros em suas novas paróquias. Certamente, estas mudanças trarão para os próprios sacerdotes e para as comunidades muitos ganhos espirituais e pastorais. Em algum caso, em razão do simples fato da mudança, haverá um certo sofrimento que, todavia, com o passar do tempo, será absorvido, por se entender que esse gesto praticado com amor, na obediência e consciência mais abrangente de Igreja, representará um benefício para todos. Todas as paróquias fazem parte desta Igreja Particular, na qual, unidos, exercemos nosso ministério, na condição de discípulos missionários. Por isso, embora cada um tenha seu próprio modo de ser, devemos formar um só corpo para viver a unidade que Deus espera e pede de nós.

No Brasil, uma expressão importante desse caminho comum é a Campanha da Fraternidade Ecumênica que está em plena sintonia com a Encíclica do Papa Francisco, Laudato Si. Com o tema “Casa comum, nossa responsabilidade” e o lema “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca” (Am 5,24), a CF traz a proposta concreta de luta pelo saneamento básico, como fonte de saúde das pessoas e de boa qualidade de vida da população. Peço, encarecidamente, aos sacerdotes, diáconos, religiosos/as e aos agentes de pastoral que leiam com atenção e coração aberto o Texto-base apresentado pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs – CONIC. Assim, poderão ajudar nossas comunidades a participar desse mutirão de cuidado com a vida e com a terra, nossa casa comum. Recordo que a Campanha da Fraternidade não deve se restringir apenas ao tempo da Quaresma, mas por todo o ano, proporcionando o debate, acompanhado de iniciativas concretas sobre o tema proposto.

A celebração desta Quaresma e da Páscoa é um desses momentos “em que somos chamados/as, de maneira ainda mais intensa, a fixar o olhar na misericórdia, para nos tornarmos nós mesmos, sinal eficaz do agir do Pai” (MV 3). O Papa Francisco afirma que, para isso e por isso, proclamou esse Jubileu Extraordinário da Misericórdia, “como tempo favorável para a Igreja, a fim de se tornar mais forte e eficaz o testemunho dos crentes(MV 3).

Que Deus, Pai de amor, nos abençoe e nos conduza nesse caminho pascal.

 

Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife