Olinda, 27 de janeiro de 2024

Caro Dom Giambattista di Quattro;
Caros irmãos bispos, especialmente os que são da nossa Província Eclesiástica;
Queridos presbíteros e diáconos de Olinda e Recife, e de outras dioceses do Brasil e da Itália;
Caros religiosos e religiosas, cristãos fiéis leigos e leigas, dentre os quais, os seminaristas;
Saudação especial a meus familiares;
Senhora Governadora Raquel Lyra; senhores deputados, demais autoridades aqui presentes;
Minhas irmãs e meus irmãos.

Embora o chamemos de Cordeiro de Deus, como João Batista o faz, Jesus nunca utiliza para si mesmo a imagem do cordeiro ou da ovelha. Nós, os discípulos, é que lhe atribuímos a imagem de cordeiro imolado ou ovelha que será tosquiada e levada ao matadouro. Na autocompreensão de Jesus, ele é o Pastor. Não somente o pastor, mas o “bom ou belo Pastor” – ho poim?n ho kalós. No dizer do Papa Francisco, nós devemos ter o cheiro das ovelhas, caminhar com elas, à sua frente, no meio ou atrás do grupo de ovelhas, mas nós não somos a ovelha. Nossa missão é outra.

Ao longo da história da Diocese e Arquidiocese de Olinda e Recife, já passaram por esta cátedra mais de vinte bispos. Já são nove arcebispos. Desde a Ordem de Cristo, passando por Funchal e Salvador, a Diocese de Olinda nasce sob a liderança de pastores abnegados e, dentro de suas limitações históricas, consagrados ao Evangelho. Depois de ter dado vida às Dioceses de São Luís, Fortaleza, Paraíba e Maceió, é um belo marco histórico que, na primeira década do século XX, o Bispado de Olinda se torne arquidiocese, capitaneando a comunhão entre os pastores destas igrejas, além de Floresta que acabara de nascer. Entra-se no século XX, com o surgimento da Arquidiocese de Olinda e Recife.

O exercício do múnus da unidade e a capacidade de doar a vida são as características centrais de uma arcebispo. Além das relações clássicas, tão enfatizadas pelo Papa Francisco, a relação com Deus, com o clero e com o povo santo de Deus, o arcebispo possui esta tarefa precípua de ser a voz da comunhão e da fidelidade entre os seus bispos co-irmãos de uma Província Eclesiástica. Como ser um pastor segundo o coração de Deus neste universo de quase quatro milhões de pessoas, com tantos desafios, mas também com tanta riqueza espiritual e pastoral? A Escritura e o testemunho dos nossos antecessores certamente nos inspiram.

O profeta Ezequiel, na crise do Exílio Babilônico, trata da responsabilidade dos líderes de Israel, vistos na imagem de pastores. A imagem se apoia na figura de Davi, o rei-pastor. Na verdade, o único e verdadeiro rei de Israel é o Senhor. Diante do crime dos pastores de Israel, que se apascentam a si mesmos e exploram o rebanho, o Senhor os admoesta a que escutem sua Palavra, pois ele, em primeira pessoa, torna-se o pastor do seu povo: para procurar as ovelhas desgarradas e congregá-las; para trazê-las de todos os lugares por onde vagavam; para cuidar das ovelhas feridas, frágeis e doentes; para vigiar as ovelhas gordas e fortes.

Jesus, no capítulo 10 do Evangelho de João, dá uma chave de compreensão da imagem. A característica primordial do pastoreio de Jesus é o conhecimento, que, na Bíblia, é sinônimo de amizade, intimidade e proximidade. Jesus conhece suas ovelhas; as ovelhas conhecem a sua voz. Ao Pedro que negou, Jesus oferece perdão e amizade. Jesus confia plenamente e, por isso, lhe diz: “apascenta as minhas ovelhas”, “apascenta os meus cordeiros”. Essa nova relação nasce da Eucaristia, pois ele come com os discípulos. Isso gera intimidade e cumplicidade. A pergunta de Jesus a Pedro é posta no nível antropológico-existencial, no nível mais profundo do ser. Sua pergunta é para “Simão, filho de João”. Perdão, amor, reconciliação e missão. Como diz João da Cruz: “Ao entardecer, sereis examinados no amor”. Jesus reintegra a fragilidade de Pedro, para que ele possa ser expressão do amor e possa confirmar os seus irmãos na fé. Somente quem experimentou o perdão de Deus pode tornar-se fonte de misericórdia para os seus irmãos. Somente quando há um Simão reconciliado em sua fragmentação é possível nascer um Pedro capaz de congregar. Pedro recebe um encargo especial e único para a comunidade. Nele, nós reencontramos a pessoa do Papa Francisco, ministério da síntese, de unidade e confirmação. O destino de Pedro está antecipado na experiência do martírio: ele estende os braços para a cruz e é amarrado por outros. Nessa entrega silenciosa, o pastor torna-se ovelha em oblação. É belo escutar sempre e de novo o apelo de Jesus: “Segue-me!” É um apelo a toda a Igreja, a todos nós, ovelhas e pastores, pois também estamos no único seguimento do Senhor.

A imaginética bíblica muda o registro. Passa-se das paragens bucólicas e duras das estepes pastoris de Israel para o ambiente da arquitetura. Escrevendo aos cristãos migrantes e estrangeiros, nas periferias das grandes cidades do Império Romano, Pedro nos convida a pensar em Jesus como uma pedra viva. Pedra que foi rejeitada pelos construtores, mas que se tornou pedra de fundação, na qual o ser humano se apoia pela fé. Jesus é pedra angular; os cristãos – e, de modo especial, os pastores – são pedras vivas em vista da construção do edifício espiritual. Nesse novo templo, oficia um sacerdote santo e consagrado. Trata-se de um sacerdócio santo que nasce do Batismo, capaz de oferecer sacrifícios existenciais. As pedras vivas, no Cristo, pedra angular, são convidadas a trabalharem na edificação do mundo novo, que brota do coração amoroso de Deus. Constrói-se um mundo marcado pelo amor, perdão, reconciliação, paz, direito e justiça. Quando Cristo, pedra angular, é rejeitado, torna-se pedra que faz tropeçar e cair.

É este o sentido desta celebração. Esta insígnia, abençoada pelo Santo Padre, o Papa Francisco, na última Solenidade dos Apóstolos Pedro e Paulo, revela exatamente a imagem do pastor que carrega a ovelha em seus ombros. Expressa também a minha comunhão profunda com a Santa Sé e a minha missão como metropolita, nesse serviço e promoção da comunhão dentro da Província Eclesiástica e na comunhão com a Sé Apostólica. De algum modo, unem-se as imagens de Bom Pastor e Cordeiro Imolado. Como disse o Papa Bento: “A lã do cordeiro representa a ovelha doente ou fraca que o pastor coloca em seus ombros e leva às águas da vida”.

Minhas irmãs e meus irmãos, dentre os tantos pastores da Arquidiocese de Olinda e Recife, suplico a intercessão dos Servos de Deus Dom Hélder Câmara e Dom Vital. Eles nos inspirem o seguimento de Jesus e do seu Evangelho.

Dom Paulo Jackson Nóbrega de Sousa
Arcebispo de Olinda e Recife