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Recife, 13 de agosto de 2015.

Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife

Meus irmãos e minhas irmãs,

Diante das situações trágicas que acometem a nossa vida, a nossa inteligência busca respostas que, de alguma maneira, lhe sirvam de conforto para a sua dor. Entretanto, se houvesse uma explicação para o que houve com Eduardo Campos e seus companheiros: Alexandre Severo (fotógrafo), Carlos Augusto e Pedro Valadares (Assessores),Marcelo de Oliveira (cinegrafista), Geraldo Magela e Marcos Martins (pilotos), naquele 13 de agosto de 2014, seria uma resposta limitada, não suficiente para aliviar os sentimentos de perda dos seus familiares, amigos e admiradores. Às vezes, a busca de respostas prende a inteligência ao passado e não nos permite enxergar que a dinâmica da própria vida é adequar-se à realidade e, mesmo que haja uma ausência, se deve seguir adiante, forçando o luto a dar vez à gratidão e à saudade. Antes que forçar uma resposta, produzida somente pelas evidências, devemos garimpar a esperança, que obriga nosso coração a confiar.

A esperança é a resposta que a fé oferece, sem negar a dor ou anestesiar o sentimento, mas nos chamando a confiar em Deus, que nos surpreende com a perfeição de seus desígnios, não obstante a razão humana. O amor é sempre irresistível, apesar de trazer o imprevisível consigo. Ninguém imagina que seria possível viver sem o amor, mas para amar é preciso confiar. Assim, hoje,nos reunimos, diante de Deus, congregados por sua graça, não para pedir explicações, mas para adorá-lo, certos de que ele conhece a razão do que para nós é incompreensível. Reunimo-nos, portanto, para professar nossa fé no Deus, que nutre de esperança nossos anseios e oferece a paz para a nossa saudade.

Nas epístolas que escreveu aos coríntios, o apóstolo Paulo deseja alimentar a esperança dos que creem, para que não se encontre entre eles um coração de incredulidade em relação à imortalidade. Ele oferece aos homens e mulheres de nosso tempo um discurso que parece não se encaixar na atualidade, uma vez que, em geral, buscamos no ser humano e na tecnologia todo o sentido para a vida, esgotando no hoje todas as possibilidades, sem permitir que o amanhã traga consigo uma surpresa. O ser humano não é um ser que caminha para a morte, mas para a vida. Para nós, discípulos e discípulas do Senhor, vivos ou mortos, nós pertencemos a ele, não porque fomos por ele escravizados, mas porque somente ele tem palavras de vida eterna e capazes de dar esperança aos nossos corações que, sem sua ressurreição, teriam a morte como único desfecho da existência.

É verdadeiro que, sem anular, de forma alguma, nossa liberdade, mas confirmando nosso livre-arbítrio, é pelo amor que ele nos conquista e não por alguma força ameaçadora. Paulo fez a experiência de tantos homens e mulheres que se sentiram seduzidos por Deus e, mesmo quando tiveram que passar por provações e tormentos por causa de seu sim, preferiram o martírio a ter que renegar sua fé. Ele mesmo fez a experiência de se sentir inteiramente nas mãos de Deus, ainda que passando por todas as inseguranças humanas, por isso, disse que vivos ou mortos nós pertencemos ao Senhor, conforme ouvimos na primeira leitura.

O amor guarda consigo um mistério, que o reveste de sacralidade e o diviniza. É diante dele que o ser humano experimenta, na sua pequenez de ser finito, a sua grandeza, pois é quando não há palavras para expressar o amor que o ser humano se experimenta guardião da eternidade. O homem que teme a morte nunca haverá de experimentar o amor. O ser humano nunca se sentirá aniquilado se for alcançado por Cristo e entregando-se a ele, que enfrentou o medo da morte e decidiu seguir até o calvário, com a cruz às costas, confiando em Deus e na certeza de que a pior das mortes é trair a vida e desistir da verdade. Por isso, mesmo nas situações mais adversas, o discípulo e a discípula de Jesus se sentem bem-aventurados. Feliz de quem tem Jesus como pastor, pois sabe que haverá de descansar em prados e campinas verdejantes a fim de ter forças para passar pelos vales tenebrosos que a existência nos impõe.

Não bastasse o Salmo 22 para acordar e alimentar nossa esperança, as bem-aventuranças nos motivam a seguir pelo caminho mais seguro, embora seja o que mais pareça incerto e perigoso: O Cristo não nos considera bem-aventurados por sermos capazes de nos alegrar com o sofrimento em si, mas por sermos capazes de abraçar a cruz e, mais ainda, levar a cruz uns dos outros, numa atitude samaritana de compaixão e misericórdia. Sentir a dor de quem sofre e a penúria de quem vive à margem da vida é a realização concreta da piedade cristã, que não esbarrará jamais numa comoção estéril, mas numa provocação que obriga o samaritano a parar e a fazer algo por quem está caído à beira da estrada. O que orientaria Eduardo Campos diante da crise atual em que está mergulhado o nosso país? A resposta foi dada pelos seus próprios filhos: “Eduardo certamente diria que não deixassem de acreditar na força do povo, na capacidade que têm de superar desafios, que não abandonassem a esperança, que não permitissem que o desânimo vencesse a crença no futuro”.

Ao celebrar o primeiro ano da sua morte e, nessa mesma data, os dez anos da morte de Miguel Arraes de Alencar, homens que se propuseram a servir ao povo de Pernambuco e do Brasil com os instrumentos da democracia, é preciso situar o Evangelho na construção de uma nova ordem eclesial, social e política, e nunca abrir mão do ensinamento de Jesus. Bem-aventurados todos os que desejam construir o Reino de Deus e se dispõem a doar sua vida, pensando na aflição dos pobres e nas causas que afligem nosso povo.

Uma outra crise sorrateira, em nossos dias, está cegando nosso olhar e querendo a todo custo arrancar de nós a convicção de que a família é o primeiro projeto de Deus para o futuro da humanidade e sua realização. Podemos, sem dúvida, ver em Eduardo Campos o homem público, o político que, dentro de suas limitações partidárias, buscou promover a paz, mas é no cenário familiar que vai ficar para sempre inscrita a sua memória para todos nós, como esposo companheiro e homem muitíssimo feliz por ser pai de cinco filhos. A paternidade lhe foi tão peculiar que, como gestor público, à semelhança de seu avô, chamado pelas multidões de “pai Arraes”, colocou em sua gestão esse sentimento. Seus filhos experimentam o que é ter a graça de viver em família, e de seu pai guardarão esse legado como sendo o que de primordial o ser humano pode escolher para si, pois um ser humano sem família é um corpo sem alma, sujeito a toda desumanização a que uma pessoa pode chegar, deturpando por completo a ordem natural que o Criador pensou para os homens e mulheres poderem construir sua existência.

Guardemos sua memória, mas que permaneça hasteada a sua bandeira, a única que deve tremular nos mastros de todos os partidos: a bandeira da justiça e da verdade, a única que tem as cores do Evangelho. Bem-aventurados os que com uma mão batem no peito e pedem perdão e, com a outra, erguem essa bandeira da justiça e por ela estão dispostos a oferecer a sua vida para que a paz não seja mera contenção à violência, mas uma forma de fazer com que o cálice da educação, da saúde, do trabalho e da justiça, da liberdade religiosa e de expressão, da mobilidade urbana e da habitação, seja um cálice transbordante, do qual todos os brasileiros possam beber. Pensar nessa justiça é correr riscos, mas bem-aventurados os perseguidos e injuriados por causa do Reino de Deus, pois será grande a sua recompensa nos céus.

Com tais sentimentos de confiança no Reino de Deus, como via de salvação para a Igreja e para o mundo, na medida em que Miguel Arraes e Eduardo Campos tiveram fome e sede de justiça e promoveram a paz, eles sejam recompensados pelo Senhor, que nos abençoe e nos estimule a nunca desistir do Brasil.

Amém.