Bênção Abacial de Dom João Evangelista – Abade de Olinda
Leituras: At 22,3-16; Mc 16, 15-18
Caro Dom Abade João Evangelista – meu Abade
Inicialmente, não poderia deixar de expressar minha particular alegria e emoção, em presidir esta bênção abacial, do já muito estimado Dom João Evangelista – transferido do Mosteiro de São Bento de São Paulo, para Abade deste Mosteiro de Olinda. Abadia que, há 38 anos me acolheu, durante o abaciado de Dom Basílio Penido, de saudosa memória. Há seis anos, senti esta mesma emoção ao presidir a benção abacial de Dom Felipe, aqui presente, que ao retornar para o Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro deixou saudades e grande sentimento de gratidão pelo tanto que realizou entre nós, durante os seis anos como abade deste mosteiro.
“Bendito o que vem em nome do Senhor!”
Você chega, caríssimo Dom João Evangelista, como verdadeiro “dom de Deus” e, desta maneira foi recebido, por toda a família beneditina, interna e externa. O seu Lema “PAX IN DOMINO”, estampado em seu brasão apresenta, na descrição heráldica, caracteres mariano, joanino e paulino. Percebe-se assim, seu desejo de ser portador da paz do Senhor, seguindo o exemplo daqueles que marcaram e continuam marcando a nossa Igreja, pela ação profética e contemplação modelar, nos primeiros anos da era cristã. A estes, se junta nosso pai São Bento que, em sua Regra para os monges, demonstra sensibilidade contemplativa e missionária.
Aparecida confirma esta orientação nos recordando que “a vida consagrada é um dom do Pai, por meio do Espírito à sua Igreja (220). “Ele se expressa na vida monástica, contemplativa e ativa, nos institutos seculares, sociedades de vida apostólica e outras novas formas” (216). E continua reforçando particularmente a dimensão missionária: “Na atualidade da América Latina e do Caribe é chamada a ser uma vida missionária, apaixonada pelo anúncio de Jesus-verdade do Pai, por isso mesmo radicalmente profética, capaz de mostrar à luz de Cristo as sombras do mundo atual e os caminhos de uma vida nova, para o que se requer um profetismo que aspire até à entrega da vida em continuidade com a tradição de santidade e martírio de tantas e tantos consagrados ao longo da história do continente” (220). O Papa João Paulo II, no discurso às religiosas de clausura na catedral de Guadalajara (México), no dia 30 de janeiro de 1979 afirmou: “Em um mundo que continua perdendo o sentido do divino, diante da supervalorização do material, vocês, queridas religiosas, comprometidas desde seus claustros a serem testemunhas dos valores pelos quais vivem, sejam testemunhas do Senhor para o mundo de hoje, infundam com sua oração um novo sopro de vida na Igreja e no homem atual”.
Não se entende, portanto, uma vocação religiosa e, sobretudo, monacal que não tenha a disposição de viver a radicalidade do chamado. Este estilo de vida, assumido livremente e no desejo da procura incessante de Deus, não admite meio termo, mas a persistente busca da santidade, apoiada na vida fraterna, sob a orientação de um pai espiritual. São Bento no Cap.II de sua Regra compara o abade ao maestro, ao falar da responsabilidade de reger almas: “Saiba o abade que coisa difícil e árdua recebeu: reger as almas e servir aos temperamentos de muitos; a este com carinhos, àquele, porém, com repreensões, a outro com persuasões segundo a maneira de ser ou a inteligência de cada um, de tal modo se conforme e se adapte a todos, que não somente não venha a sofrer perdas no rebanho que lhe foi confiado, mas também se alegre com o aumento da boa grei” (RB 2,31-32).
A vida monástica vivida na confiança e partilha, entre irmãos que se respeitam e se amam, contando com a orientação segura daquele que, no mosteiro, “faz as vezes de Cristo”, sem dúvida, proporcionará grandes benefícios espirituais para a comunidade e para a Igreja onde está inserida. A Exortação Apostólica Pós-Sinodal Vita Consecrata do papa João Paulo II insiste na fidelidade ao carisma dizendo: “Antes de mais, exige-se a fidelidade ao carisma de fundação e sucessivo patrimônio espiritual de cada Instituto. Precisamente nessa fidelidade à inspiração dos fundadores e fundadoras, dom do Espírito Santo, se desdobrem mais facilmente e se revivem com maior fervor os elementos essenciais da vida consagrada” (VC 36).
É no contexto litúrgico da Festa da Conversão de São Paulo que celebramos esta bênção abacial. Paulistano e proveniente do Mosteiro que em 2007 teve a honra de acolher nosso atual Papa Bento XVI, Dom João escolheu bem a ocasião para receber a bênção de Deus, neste início de ministério que a Igreja lhe confia. Paulo, de perseguidor intransigente da Igreja, torna-se um dos seus principais defensores. Responsável pelo anúncio do Evangelho aos gentios, mostra com sua coragem e testemunho, que Jesus veio para todos os povos, mistério que celebramos, há pouco, na Solenidade da Epifania do Senhor.
A leitura do livro dos Atos dos Apóstolos recorda-nos sua experiência de conversão na estrada de Damasco e seu encontro com Ananias, “homem piedoso, fiel à lei e com boa reputação”, por quem foi acolhido e batizado. Judeu convicto e, igualmente, cristão modelar, Paulo foi precavido, depois de receber o chamado. Conforme escreve na Epístola aos Gálatas, durante três anos esteve recolhido em reflexão e oração, na região da Arábia, em seguida subiu à Jerusalém para apresentar-se a Cefas, ficando com ele 15 dias, e por ele foi enviado para anunciar a boa nova aos gentios. (Gal 1, 18-23).
O Evangelho de Marcos recorda o envio dos onze, entre os quais Paulo, que mais adiante, foi incorporado ao grupo, conforme ele próprio atesta no início da citada Epístola aos Gálatas: “Eu, Paulo, chamado para ser apóstolo, não por qualquer organização ou autoridade humana, mas por Jesus Cristo e por Deus o Pai que ressuscitou Jesus da morte, dirijo esta carta às igrejas da Galácia, na companhia de todos os cristãos daqui, nossos irmãos na mesma fé” (Gal 1,1-2). Consequentemente, todos nós devemos nos sentir enviados, conforme o próprio apóstolo testemunha: “Anunciar o Evangelho não é glória para mim; é uma obrigação que se me impõe. Ai de mim, se eu não anunciar o Evangelho!” (1Cor 9,16). Ativos e contemplativos, todos somos convocados, insistentemente, para colaborar com a missão. Cabe a cada um, de acordo com o seu carisma, procurar responder prontamente ao chamado do Senhor, em comunhão plena com a pastoral de conjunto implementada pela Igreja local. É frequente, nos tempos atuais, o sentimento de abandono e a perda da esperança. É a falta de perspectiva, o individualismo, a desigualdade social, a ausência da ética, do amor e respeito ao semelhante, que levam muitos ao desânimo. É, portanto, a Palavra de Deus que vai ajudar a superar estas barreiras e apontar saídas seguras. Diante deste quadro, somos convidados a fixar os olhos no Cristo crucificado e vislumbrar os sinais de ressurreição e vida.
Em sua missão, caro abade João Evangelista, você vai experimentar muitas alegrias e também enfrentar cruzes, mas, não faltarão “cirineus”, que ajudarão a transpassá-las. Cristo é o grande vencedor, unido a Ele não encontrará, absolutamente, dificuldade para se “adaptar aos temperamentos” e ajudar a todos a caminhar na santidade. O “Ora et Labora” que caracteriza a vida beneditina será, certamente, o seu projeto. Apoiando-se, sobretudo, na oração e no trabalho, muito fará para consolidar, neste secular mosteiro, a tradição de uma grande abadia, por onde passaram grandes homens, lembrados, até hoje, com admiração e respeito.
Concluo recordando as sábias palavras do nosso pai São Bento, no capítulo 64 da Regra, quando trata “Da ordenação do Abade”. “O Abade ordenado pense sempre no fardo que recebeu e a quem deverá prestar contas de sua administração e saiba que lhe convém mais servir que presidir. Deve, pois, ser douto na lei divina, de modo que saiba e tenha de onde tirar “coisas novas e velhas”. Seja casto, sóbrio, misericordioso e ponha sempre a misericórdia acima da justiça, para que consiga o mesmo para si. Odeie os vícios, ame os irmãos. Na própria correção proceda com prudência e sem excessos, para que, raspando demais a ferrugem, o vaso não venha a quebrar. Suspeite sempre de sua própria fragilidade e lembre-se que não deve esmagar o caniço já rachado. Não dizemos, com isso, que permita que os vícios cresçam, mas os ampute com prudência e caridade, segundo julgar conveniente a cada um, como já dissemos. E se esforce por ser mais amado que temido. Não seja turbulento nem ansioso; não seja ciumento nem muito desconfiado, pois nunca terá descanso. Nas suas ordens seja prudente e refletido. Se mandar fazer algo referente às coisas divinas ou seculares, faça-o com discernimento e moderação lembrando-se da discrição do santo Jacó, que dizia: “Se eu fizer meus rebanhos trabalharem andando demais, morrerão todos num só dia”. Aproveitando esses e outros exemplos de discrição, mãe das virtudes, equilibre tudo de tal modo que os fortes encontrem o que desejam e os fracos não fujam. E, sobretudo conserve em tudo a presente Regra, para que, depois de ter bem administrado, ouça do Senhor o que Ele disse ao bom servo que distribuiu o trigo a seus conservos no devido tempo: “Em verdade vos digo, ele o estabelecerá sobre todos os seus bens” (64,7-22).
Que Maria Santíssima, mãe de Deus e nossa, cubra de bênçãos a sua vida e a caminhada deste nosso querido Mosteiro de Olinda.
Amém.
Dom Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife
Olinda, 25 de janeiro de 2013.