Dom Fernando Saburido foi mais uma vez homenageado pelo trabalho realizado em 14 anos de arcebispado. Desta vez, o reconhecimento veio da Câmara Municipal de Recife.

A noite de homenagem aconteceu nesta terça-feira (27) e contou com as presenças de autoridades políticas, padres, familiares e amigos.

 A sessão solene, começou com Hino Nacional, apresentação de corais e discurso da autora do requerimento, a vereadora Liana Cirne do PT. Após sua fala, Liana entregou a Saburido uma escultura da Pietá, confeccionada pelo artesão Mestre Zuza, de Tracunhaém : “ Essa Pietá carrega o Cristo Crucificado, em vez de uma criança. Isso toca-nos como mãe, pois carregamos nossos filhos, mesmo adultos, em nossos braços. Essa peça também lembra o trabalho da Igreja”.

Em seu discurso, dom Fernando Saburido contou sua trajetória e agradeceu a homenagem: “aceito humildemente, simplesmente como estímulo missionário”.

 “Chegou a hora de minha partida. Combati o bom combate, terminei a minha corrida, conservei a fé” (2Tim 4,6).

Leia discurso de dom Fernando Saburido na íntegra:

Coloco em meus lábios as palavras do apóstolo Paulo em sua segunda carta a Timóteo, seu amigo e companheiro de missão. Não posso, porém, dizer como ele: “terminei a minha corrida”. Paulo tinha consciência de que estava às vésperas de sua partida, do seu martírio. Eu, espero viver um pouco mais. Chega-me sim à mente o que disse o anjo de Deus ao profeta Elias na região de Bersabéia, em Judá, a caminho do monte Horeb: “Levanta-te e come, porque ainda tens um longo caminho a percorrer” (1Rs 19,7). O Concílio Vaticano II nos ensina que todo bispo é pastor da Igreja Universal e não apenas da sua Igreja local. Nossa visão de Igreja não é de localidade simplesmente, é sim de Igreja em todo o universo, como comunhão eclesial. O bispo emérito continua exercendo sua função de doutor da fé e profeta do evangelho. Isto em uma amplitude maior ainda do que apenas no âmbito da Igreja que entregou, sobretudo pela disponibilidade. Essa nova missão é realizada em plena comunhão, de modo mais abrangente e com maior liberdade pela sua própria condição de vida e serviço. Pela sua experiência muito poderá fazer, sobretudo, no múnus da escuta, da orientação e da confissão.

            Comecei muito cedo minha caminhada vocacional. Tinha apenas 13 anos de idade e residia em Vitória de Santo Antão quando despertei para o ministério sacerdotal. Ingressei no Seminário da Imaculada Conceição, na Várzea, em 1961, para iniciar o chamado curso ginasial. Tive o privilégio de ser acolhido pelo jovem sacerdote padre José Edwaldo Gomes, então vice-reitor do Seminário, falecido em 2017 como pároco de Casa Forte, pessoa muito querida e respeitada pelos seus paroquianos e por todo o povo do Recife.

            Naquele tempo a Igreja era dirigida pelo papa João XXIII (1958 a 1963) que, corajosamente, convocou o Concílio Ecumênico Vaticano II tendo em vista a renovação da Igreja. Nossa arquidiocese era pastoreada pelo arcebispo dom Carlos Gouveia Coelho (1960 a 1964) que chegou a participar de algumas sessões do Vaticano II (1962 a 1965). Faleceu prematuramente com apenas 56 anos de idade em março de 1964. Teve como sucessor o nosso querido “Servo de Deus” Dom Helder Pessoa Camara (1964 a 1985). Em 1969, o então arcebispo decidiu reformular o sistema arquidiocesano de formação sacerdotal, fechando o Seminário Menor da Várzea e transferindo os seminaristas de Filosofia e Teologia, do Seminário de Olinda, para residirem em casas populares nas periferias da cidade, tendo em cada uma delas um sacerdote para acompanhar os formandos. Para os estudos foi criado o Instituto de Teologia do Recife – ITER, no bairro dos Coelhos.

            Sendo do interior, de família pobre e desejando continuar meus estudos aqui em Recife, fui acolhido, juntamente com outros ex-seminaristas em igual situação, pelo padre José Edwaldo que criou uma casa de estudantes no bairro Cabanga, onde sua Paróquia de São José tinha uma residência disponível. Alguns aos depois, conheci o Mosteiro de São Bento de Olinda e me interessei pela vida monástica, tendo sido recebido pelo então abade Dom Basílio Penido. A vocação no Mosteiro era preferencialmente voltada para a vida monástica, ficando o sacerdócio em segundo plano. Assimilei perfeitamente a proposta e a partir de então decidi não mais ser padre e sim monge. Cursei normalmente Filosofia e Teologia na intenção de melhor servir à Igreja. Já professo solene e ao concluir o curso de Teologia a comunidade me pediu, juntamente com três outros monges para aceitar o sacerdócio em vista das necessidades pastorais. Na obediência, aceitei humildemente a missão. No Mosteiro exercia sobretudo a missão de Celeireiro (Ecônomo) o que me tomava muito tempo, mas me deu oportunidade de trabalhar pela administração da casa, do Colégio São Bento e ao mesmo tempo desenvolver um gratificante trabalho social.

            Com a mudança do abade passei a assumir outras funções mais voltadas para a pastoral. Juntamente com dois outros irmãos presbíteros beneditinos fomos escalados para a gestão das paróquias de N S de Guadalupe e São Lucas, ambas em Olinda. Era então arcebispo Dom José Cardoso Sobrinho que fez esse apelo ao Mosteiro devido à escassez de sacerdotes diocesanos. Assim fui me aproximando mais da vida pastoral da arquidiocese tendo, mais adiante sido convidado para o ofício de coordenador de pastoral, vigário geral e no ano 2000 veio-me o chamado do então papa João Paulo II para a missão de Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Olinda e Recife.

            Humildemente, confesso que não foi fácil dar esses passos, sobretudo aceitar o ministério episcopal nesta arquidiocese. No ano anterior já tinha dado um não como resposta a um chamado dessa natureza e agora a Igreja volta a insistir. Aceitei por estar convicto de que se tratava da vontade de Deus e também em atenção ao então arcebispo dom José Cardoso Sobrinho com quem tive vários colóquios antes de dar o meu sim. 

Como lema episcopal, assumi as palavras de Nossa Senhora ao anjo Gabriel por ocasião da anunciação: “Secundum Verbum Tuum” (Segundo Tua Palavra) (Lc 1,38). Foi exatamente esse o Evangelho do dia em que recebi a carta de nomeação de bispo. Vejo o episcopado como algo muito grande que segundo minha visão, sobretudo na época, ultrapassava minha capacidade e desejo.

Em 2018 na visita à Cidade do México, próximo ao Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, o Papa Francisco assim falou aos bispos: “Sede bispos de olhar límpido, alma transparente, rosto luminoso; não tenhais medo da transparência; a Igreja não precisa da obscuridade para trabalhar. Vigiai para que os vossos olhares não se cubram com as penumbras das névoas do mundanismo; não vos deixeis corromper pelo vulgar materialismo nem pelas ilusões sedutoras dos acordos feitos por baixo da mesa; não ponhais a vossa confiança nos ‘carros e cavalos’ dos faraós de hoje, porque a nossa força é a ‘coluna de fogo’ que irrompe separando em duas as águas do mar, sem fazer grande rumor” (conf. Ex 14, 24-25). Palavras proféticas que deve interpelar a vida e a missão do pastor. O bispo, assim como o padre, não pode ceder à tentação dos privilégios, mas ser servidor.

            Durante cinco anos fui bispo auxiliar desta Arquidiocese de Olinda e Recife. Nesse período fui, pela primeira vez, nomeado presidente do Regional Nordeste 2, em substituição a Dom Antônio Soares Costa (Bispo de Caruaru) que faleceu repentinamente. Em 2005 fui transferido para a Diocese de Sobral no Ceará onde pastoreei aquela porção do povo de Deus, até 2009 quando fui reconduzido para Recife.

Nesses quase 23 anos de exercício episcopal, 40 de ministério sacerdotal e 44 de vida religiosa, posso garantir que, apesar de minhas fraquezas, nunca me faltou o amor de Deus. Acredito piamente na “Graça de Estado”. Quando Deus chama e nos confia uma missão ele está ao lado nos conduzindo e iluminando. Foi o que Jesus nos garantiu “Estarei convosco todos os dias” (Mt.28,20). A obediência, alicerçada na vida de oração, é sem dúvida o mais seguro caminho. Sobretudo na missão episcopal quantas vezes situações que aparentemente eram insolúveis, de repente chega a resposta com uma clareza tal que só pode vir de Deus.

Hoje, rendo graças a Deus, por ter podido, ao longo desses 14 anos de pastoreio ter podido estimular o compromisso missionário, assumindo a bandeira de ser uma “Igreja em estado permanente de missão”, compromisso assumido colegialmente na Assembleia Arquidiocesana de Pastoral de 2010. Para isso conseguimos criar novas estruturas de descentralização como os vicariatos pessoal e territorial, reformular as comissões arquidiocesanas de pastoral e estimular os movimentos, associações e pastorais. No esforço de sermos uma Igreja, preferencialmente voltada para as necessidades dos pobres, incentivar as estruturas já existentes como o Movimento Pró-criança e criar novas, a exemplo da recriação da Comissão de Justiça e Paz, as Fazendas da Esperança Pe Antônio Henrique e Ir Lindalva e a Casa do Pão. Esta arquidiocese, com a graça de Deus, é farta em vocações para os ministérios: ordenado, consagrado e laical. Isso facilita para que possamos dar passos significativos e avançar na sinodalidade, dando a todos/as vez e voz. Não tenho dúvida que meu sucessor dom Paulo Jakson terá todos os meios e animo para dar continuidade a essa bela missão e “avançar para águas mais profundas”. Considero uma bênção de Deus ter sido o bispo que acolheu o 18º Congresso Eucarístico Nacional em novembro de ano passado, com o profético tema “Pão em todas as mesas”, cuja grandiosidade foi possível exatamente por conta desse vigor missionário do nosso numeroso clero, religiosos, consagrados, leigos e leigas, além das parcerias formalizadas com o governo, os empresários, as organizações sociais e a imprensa.

Concluo agradecendo à querida vereadora Liana Cirne e demais vereadores desta Casa do Povo pela iniciativa da homenagem que aceito humildemente, simplesmente como estímulo missionário. A missão do legislador é de fundamental importância para a construção de uma sociedade igualitária, justa e fraterna. É exatamente esse esforço que a sociedade espera de seus representantes, sempre desafiados em incluir os pobres e excluídos, dando-lhes maiores oportunidade através da prática de políticas públicas favoráveis e libertadoras. Agradeço também a todos e todas, indistintamente, que colaboraram com meu ministério e assim continuarão com o novo pastor, na consciência de que a Igreja é de Jesus Cristo e nós somos meros servidores temporários.

Dom Antônio Fernando Saburido, OSB

Administrador Apostólico de Olinda e Recife

Recife, 27 de junho de 2023.