da redação

A missa de quarta-feira de cinzas presidida por dom Fernando Saburido aconteceu hoje ás 16h em frente à Casa do Pão, no centro de Recife. Na ocasião também foi aberta a Campanha da Fraternidade deste ano que tem como tema : “Fraternidade e Fome” e lema : ” Dai-lhes vós mesmos de comer.” ( Mt 14,16).

Durante a homilia, Dom Fernando Saburido falou sobre os três importantes valores a serem trabalhados para que possamos progredir no amor de Deus : Jejum, oração e esmola.

O arcebispo metropolitano também lembrou a história da campanha da fraternidade no Brasil e enfatizou seu objetivo : ” a intuição fundamental é que para vivermos a fé, precisamos caminhar na solidariedade, cuidar mais intensamente da fraternidade entre as pessoas”.

Leia na íntegra a homilia:

Celebração de cinzas e abertura da CF-2023
Arquidiocese de Olinda e Recife
(Jl 2,12-18; 2Cor 5,20-6,2; Mt 6,1-6.16-18)
Casa do Pão

Caríssimos irmãos e irmãs,

Temos a graça de iniciar nessa quarta-feira de cinzas o Tempo da Quaresma que nos prepara para a Páscoa, centro do ano litúrgico. Quaresma é experiência de conversão! Nos dá a oportunidade de fazer, à luz da Palavra de Deus, um verdadeiro retiro espiritual, enriquecido pela prática da penitência, da oração e da caridade. Somos convidados/as a elevar nossa mente e nosso coração para o alto e atender aos apelos do Senhor que nos convida ao compromisso com a fé recebida no batismo. A Páscoa é sinal de que Deus nos ama e dá força nova para ressuscitarmos de nosso cansaço, desânimo e indiferença em relação à vida. A mensagem da Páscoa chega, mais uma vez, em tempo oportuno, para nos revigorar e apresentar uma proposta de esperança confiante no Cristo ressuscitado.

O Evangelho que escutamos nos ensina: “Ficai atentos para não praticar a vossa justiça diante dos homens, só para serdes vistos por eles”. Nos indica três importantes valores que devem ser trabalhados para que possamos progredir no amor de Deus: a esmola, a oração e o jejum, realizados de maneira discreta, para que seja um gesto autêntico, observado apenas pelo Pai que poderá dar a merecida recompensa.

Jejuar é modificar a nossa atitude para com as pessoas e a natureza; passar da tentação de devorar tudo para satisfazer a nossa voracidade, à capacidade de sofrer por amor. Sendo capazes de renunciar a pequenos desejos, certamente nos preparamos melhor para renunciar a males que nos impedem de avançar na graça de Deus. Orienta também a orar para nos aproximarmos de Deus, seguindo os ensinamentos e testemunho de Jesus Cristo e adquirir força para renunciar à idolatria e à autossuficiência do nosso individualismo, e nos sentirmos vinculados ao Senhor e sua misericórdia. Finalmente, aponta a forma correta de dar esmola para sair da insensatez de acumular egoisticamente na ilusão de assegurarmos um futuro que não nos pertence. Dar esmola de tal maneira que a mão direita não saiba o que faz a esquerda. É preciso reencontrar a alegria do projeto que Deus colocou em nossos corações: amar a Deus, amar os irmãos e irmãs, e amar toda a obra da criação encontrando neste amor a verdadeira felicidade.

As cinzas que logo mais serão impostas sobre nossas cabeças recordam que a vida nesse mundo é passageira, Deus é o único absoluto. Precisamos tomar uma atitude corajosa de mudança, e somente a Palavra de Deus poderá ser Luz e apontar o rumo certo para nossa existência. É preciso não só acolher a Palavra, mas vivê-la com intensidade. Que os sinais litúrgicos de despojamento utilizados neste tempo, contribuam para nossa interiorização e nos recordem o valor da simplicidade como caminho de libertação e realização, pessoal e comunitária. A nossa conversão deve ser autêntica e dinâmica, como lembra o profeta Joel, na primeira leitura: “voltai para mim com todo o vosso coração, com jejum, lágrimas e gemidos; rasgai o coração e não as vestes; e voltai para o Senhor, vosso Deus; ele é benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar o castigo” (Jl 12-13).

Os sofrimentos porque passam nossos irmãos/s nos identificam com a paixão de Jesus e precisamos nos esforçar para superá-los fazendo nossa parte, lutando pela justiça e igualdade de direitos. O que não pode acontecer é desanimar diante da dor, mas procurar sim, confiantemente, alimentar a esperança. Essa é a profecia que a Igreja deve anunciar sempre, motivando à unidade na busca da superação dos problemas que nos são comuns. É tempo de trabalhar nossa conversão permanente, pessoal e comunitária. Isso é graça divina que precisamos acolher e desenvolver.

A Campanha da Fraternidade que, mais uma vez, iniciamos hoje, teve sua origem na Arquidiocese de Natal e foi assumida nacionalmente pela CNBB em 1964, quando o Concílio Vaticano II estava caminhando para sua conclusão. O objetivo inicial da CF era aplicar as propostas do Concílio em nosso país, através de uma pastoral de conjunto, assumida por todas as dioceses e pelas forças vivas da Igreja. A intuição fundamental é que, para vivermos a fé precisamos caminhar na solidariedade, cuidar mais intensamente da fraternidade entre as pessoas e valorizar a natureza como dom de Deus e, desta forma, amá-la e respeitá-la.

“Dai-lhes vós mesmos de comer” é o lema que motiva a Campanha da Fraternidade 2023, com o tema: “Fraternidade e Fome”, que já foi tema da CF 1975 e CF 1985. Desta vez, como bem ressalta o Texto-base, é praticamente a continuidade do XVIII Congresso Eucarístico Nacional, realizado em nossa arquidiocese de 12 a 15 de novembro de 2022 que teve como tema: “Pão em todas as mesas”. Essa referência enche o nosso coração de alegria porque entendemos que nosso Congresso Eucarístico foi uma verdadeira profecia, diante da realidade desigual em que vive enorme parte da população do norte e nordeste do Brasil e em percentual menor nas demais regiões.

Com esse tema, é por demais significativo nos congregarmos nesta quarta-feira de cinzas nesse lugar. A celebração de abertura da CF-2023, na Casa do Pão, marco do citado Congresso Eucarístico Nacional, nos faz reviver algo que marcou profundamente a história de nossa Arquidiocese de Olinda e Recife e todas as Igrejas do Brasil. Com o tema: “Pão em todas as mesas”, fomos convidados/as a refletir sobre partilha. Somos chamando à responsabilidade de viver a Eucaristia nessa importante dimensão de partilhar nossos bens materiais, sociais e espirituais. Além de ensinar a ganhar o pão de cada dia, essa “Casa do Pão” atende situações emergenciais de fome, alimentando diariamente, com todo respeito e dignidade, nas três principais refeições do dia, um pouco mais de 300 pessoas que vivem, sobretudo, em situação de rua nessa proximidade. Demos graças a Deus e aos parceiros que colaboram com essa obra de amor ao próximo.

O texto-base da CF-2023 parte da meditação de Mateus 14,13-21, no qual Jesus realiza o que comumente a tradição chama de “multiplicação dos pães”. Ao reler, agora, este texto, talvez desejássemos que, no mundo atual, Jesus viesse refazer o milagre da multiplicação dos pães. No entanto, o problema do mundo e também do Brasil não é a falta de alimentos e sim a sua distribuição injusta. Em nosso país, não adiantaria multiplicar os alimentos, se a pequena elite de “10% de brasileiros continua se achando no direito de se apoderar de 90% da riqueza nacional” (TB n.55). Em abril de 2022, assegura o texto base, apenas 41,3% dos domicílios brasileiros tinha seus moradores em segurança alimentar (TB n.40). A fome não é consequência de flagelos naturais, nem é uma fatalidade. É decorrência do modo de organizar a sociedade.

De fato, desde 2020, em todo o mundo, a organização injusta e a incidência da pandemia exacerbaram as desigualdades sociais. De acordo com pesquisa recente, na África, 123 milhões de pessoas se encontram, hoje, em situação de emergência alimentar aguda, o que significa que nos últimos dois anos, são mais 28 milhões de seres humanos que passaram a sofrer o flagelo da fome (Cf. La Croix, vendredi, 13/01/2023, p.10).

Acompanhamos, recentemente, através dos meios de comunicação, a dolorosa situação dos índios Yanomami, em Roraima. O Conselho Missionário Indigenista – CIMI, vinha denunciando o problema e fazendo o que era possível através da imprensa a que tinham acesso, porém, somente agora, graças à visita do presidente da república, o assunto veio à tona mais fortemente e chamou a atenção do Brasil e do mundo.

As raízes destas calamidades são muitas e vêm de longe na história. Desde os tempos da colônia, a estrutura fundiária garante a concentração de terras nas mãos de uma pequena elite. Cada dia mais, a política agrícola coloca a produção a serviço do sistema econômico-financeiro. De tudo isso, resultam a perversidade da política salarial e o desemprego. (pp 30-35).

É triste recordar que, no passado, as Igrejas não combateram fortemente essa ordem social injusta e até hoje há grupos cristãos e mesmo católicos que continuam a separar fé e vida. Não percebem que estão defendendo políticas baseadas no ódio e na violência que, em nome de Deus, aumentam a fome e as desigualdades sociais. Basta lembrar a dificuldade que muitos deles têm de incluir a Campanha da Fraternidade no contexto litúrgico da Quaresma.

No tempo de Jesus, os religiosos do templo achavam que nada tinham a ver com a fome do povo. Por isso, o quarto evangelho, ao contar esse episódio no qual Jesus alimenta uma multidão, começa afirmando que “estava próxima a Páscoa dos Judeus e no lugar de ir celebrá-la em Jerusalém, Jesus vai ao deserto onde alimenta o povo como Deus tinha dado o maná ao povo hebreu no deserto” (Jo 6, 1- 14).

Nesta Campanha da Fraternidade, o lema é a palavra que Jesus dá aos discípulos: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14, 16).

Na nossa realidade atual, o primeiro desafio é como ajudar os irmãos e irmãs da própria Igreja a acolherem essa palavra de Jesus como dirigida a cada um de nós e a cada comunidade eclesial. Precisamos com urgência compreender que o compromisso social transformador não é adendo ou mero suplemento à missão da Igreja e sim, como insiste o papa Francisco, o próprio núcleo da missão. A questão social é o coração do evangelho de Deus que quis salvar as pessoas não isoladamente como indivíduos soltos e sim como povo e a partir do amor social que o Espírito nos inspira (Evangelii Gaudium n.178- 184). As palavras de Jesus “Tive fome e me destes de comer” são, a cada ano, lembradas, no evangelho lido na primeira segunda-feira da Quarema para que não possamos desligar a celebração da Páscoa dessa preocupação com a vida e a segurança alimentar de todos os filhos e filhas de Deus.

Desejo a cada um/uma de vocês uma santa e renovadora Quaresma e Páscoa do Senhor.

Amém!