Por José Ambrósio dos Santos*
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em 05.11.2022

Uma cerimônia carregada de emoção marcou, ontem, a despedida definitiva de familiares e amigos à missionária e enfermeira francesa Colette Catta, que faleceu no dia 04.11.2016, aos 95 anos de idade, 42 dos quais dedicados a cuidar do povo pobre de Juçaral, distrito do Cabo de Santo Agostinho (PE). “Estamos realizando a vontade de Colette, que gostaria de ser enterrada ao lado da capela onde orava todos os dias”, disse o Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido, ao lado da urna funerária contendo os ossos da ‘mãe de Juçaral’, como ele a ela se referiu na missa de corpo presente de Colette, há exatos seis anos.

Emocionado, Dom Saburido, que é filho de Juçaral e conhecia bem a ação de Colette Catta, ressaltou que ela viveu uma vida bonita, santa, cheia de bençãos. “Colette viveu na presença de Deus, fazendo sempre o bem.”

Logo após a missa, celebrada no Santuário de Nossa Senhora Aparecida, a urna funerária foi conduzida pelos filhos adotivos de Colette, Damião e Tony Catta. Um rápido cortejo de cerca de 500 metros até a cripta ao lado da capelinha de pedra localizada acima da casinha onde colete viveu desde que chegou a Juçaral, em 1974.

Colette Catta foi recebida e abrigada pelo padre Carlos (Charles) de Becco, um belga que chegara a Juçaral em 1965 e iniciara trabalho de ação social. Por ser estrangeiro e amigo do Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Helder Câmara, ele era considerado comunista, rótulo também imposto à nova estrangeira. A identificação como comunista assustava os mais humildes – a maioria – em razão da caricatura ‘pintada’ pelos que controlavam os poucos e deficitários serviços públicos, e por alguns mais abastados que intimidavam as pessoas, em geral necessitadas da atenção pública e até mesmo da caridade.

A realidade encontrada em Juçaral a deixou chocada. Isso, apesar de ela já conhecer a miséria do nordeste brasileiro através de reportagens e da peça adaptada do livro Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto. Também conhecia nordestinos que chegavam a São Paulo fugindo da seca. Colette passou 21 anos cuidando dos pobres favelados do Tatuapé, em São Paulo, aonde chegou em dezembro de 1953, de navio. Freira da Congregação das Irmãzinhas da Assunção, entidade religiosa com atuação em praticamente todo o mundo, em áreas industriais, ela era uma das religiosas do Convento Irmãzinhas da Assunção.

Em 1974 Juçaral era um pequeno e pobre povoado encravado entre mais de uma dúzia de engenhos de cana de açúcar que abasteciam as usinas Sibéria, Cachoeirinha, Massauassu e Liberdade. Sua população estimada em cerca de 800 habitantes era formada basicamente por canavieiros.

Colette chegou a Juçaral juntamente com duas amigas, a também francesa Josianne Saintpierre, e Marieta Fernandes Braga, considerada sua confidente. Com a ajuda do padre Carlos de Becco, instalou-se com as amigas em uma casinha localizada a poucos metros do topo da pedra da Pimenta, na qual passou toda a vida.

Colette viu muitas vezes uma mãe dividir um ovo para quatro crianças. Era grande o índice de mortalidade infantil, por desnutrição.

A luta, a dedicação e a doação de Colette Catta a credenciaram a receber um dos principais reconhecimentos do governo francês 36 anos depois da sua jornada em solo brasileiro, iniciada em 1953, na favela do Tatuapé, em São Paulo. Em 1989 ela foi agraciada com a insígnia de Cavaleira da Ordem Nacional do Mérito, outorgada pelo presidente Francois Miterrand, Grande Mestre da Ordem Nacional do Mérito.

Outra honraria que deixou Colette Catta muito feliz foi a que a tornou cidadã do município que escolheu para viver e cuidar do povo pobre, doando-se por 42 anos, desde que chegou em Juçaral, em 1974, até o seu falecimento, em novembro de 2016, aos 95 anos de idade. O título lhe foi entregue em abril de 2008.

O legado transformador e inspirador de Colette Cata será contado em livro a ser lançado em breve pelo jornalista José Ambrósio dos Santos. Com prefácio do Arcebispo de Olinda e Recife, dom Fernando Saburido, o livro A mãe de Juçaral já está sendo impresso e deverá ser lançado na primeira quinzena de dezembro próximo.

*José Ambrósio dos Santos é jornalista e membro da Academia Cabense de Letras.

Fotos: José Ambrósio dos Santos