Assembleia Legislativa de Pernambuco
Medalha Joaquim Nabuco – Classe Ouro
Recife, 30 de outubro de 2013
Primeiramente, quero externar a esta querida assembleia minha satisfação e, sem falsa modéstia, minha indignidade de receber esta medalha que traz o nome do grande abolicionista pernambucano Joaquim Nabuco, patrono desta casa. Digo indignidade porque, conforme a resolução nº 809 de 14 de maio de 1968 que instituiu a comenda, destina-se esta a agraciar pessoas físicas e/ou jurídicas imbuídas de elevado espírito público e relevantes serviços prestados ao Estado ou à Pátria. Questiono-me: “elevado espírito público” até pode ser, mas, quais “relevantes serviços” prestei ao Estado ou à Pátria? Talvez minha querida irmã deputada Terezinha Nunes, propositora do meu nome, possa justificar, como já o fez em sua palavra motivadora, pela qual sou muito grato. Na verdade, o que tenho procurado fazer nestes anos, quer como bispo-auxiliar, quer como arcebispo de Olinda e Recife, é esforçar-me por viver o evangelho e motivar aqueles e aquelas que Deus colocou sob os meus cuidados pastorais a trilhar semelhante caminho, conforme o ministério de cada um. A grande Madre Teresa de Calcutá tem uma bela frase que diz: “Dê ao mundo o melhor de você. Mas isso não pode ser o bastante. Dê o melhor de você assim mesmo. Veja você que, no final das contas, é tudo entre VOCÊ e DEUS. Nunca foi entre você e os outros.” Partilho essa medalha com todos aqueles e aquelas que colaboraram e colaboram comigo para levar adiante o grande desafio de conduzir e motivar esse imenso rebanho, desta nossa Igreja Particular tão cara a todos nós.
A Arquidiocese de Olinda e Recife tem uma história muito bela no que diz respeito à evangelização e ação social. Por aqui passaram grandes pastores, bispos, padres e diáconos doados, além de leigos comprometidos com a missão evangelizadora e a Doutrina Social da Igreja. Muito fizeram pelo nosso povo e servem de estímulo para todos nós. Dentre estes, não poderia deixar de destacar a figura profética de Dom Hélder Câmara que durante 23 anos conduziu esta Igreja, com coragem e sabedoria, no tempo especialmente difícil da ditadura militar. Atualmente, a secular Arquidiocese de Olinda e Recife, organizada em 7 regiões episcopais, estrutura sua ação missionária em 13 comissões, dentre elas: a Comissão para a Ação Missionária e Cooperação Intereclesial e a Comissão para o Serviço da Caridade Justiça e Paz. Nesta segunda, concentram-se todas as pastorais sociais que pensam de maneira especial nos pobres e excluídos. Somam-se a esse trabalho as ações da Santa Casa de Misericórdia, sob nossa responsabilidade, procurando dar assistência, sobretudo, nas áreas da saúde, educação e assistência social, em suas 13 unidades, envolvendo crianças, jovens, adultos e idosos, incluindo pessoas com deficiência. Também o Movimento Pró-Criança, já há vinte anos retirando das ruas do Recife e região metropolitana crianças e jovens em situação de risco. Foi criado durante o pastoreio do meu antecessor, Dom José Cardoso Sobrinho, tendo à frente, desde a sua fundação, o incansável Prof. Sebastião Barreto Campelo.
Vejo este momento como excelente oportunidade que Deus nos oferece, às nossas lideranças pastorais (indiretamente) e a mim, para falar das nossas inquietações e desafios a partir das experiências vivenciadas no contato direto com o povo de Deus, especialmente, os mais pobres e humildes, preferidos de Jesus Cristo. Diante dos desafios, somos tentados a desanimar, mas, nessas horas é preciso encontrar força no Senhor, como ensina o salmo: “O Senhor é a minha luz e salvação; de quem eu terei temor? O Senhor é o meu forte refúgio; de quem terei medo? (Sl 27,1).
Na sexta-feira da semana passada, chegando de Brasília, onde tive oportunidade de participar da reunião do Conselho Permanente da CNBB, como representante do nosso Regional Nordeste II, quando me dirigia ao portão de saída do aeroporto, fui interrompido por um humilde senhor que trabalha transportando bagagens. Ele me disse timidamente: “Dom Fernando, desculpe incomodá-lo, moro no Jordão e nossa comunidade está sofrendo muito com o problema das drogas e do suicídio de jovens. Aconteceram vários nos últimos meses, ainda na semana passada suicidou-se um rapaz de 14 anos. Por favor, arranje um jeito de mandar pessoas para a comunidade, para falar sobre o perigo das drogas”. Escutei o homem com atenção e piedade. Logo me lembrei do “Ano da Juventude” que estamos vivendo, com a Campanha da Fraternidade que vem advertindo sobre o “extermínio da juventude” e a Jornada Mundial da Juventude que aconteceu no Rio de Janeiro em Julho passado, com a carismática presença do papa Francisco. Prometi entrar em contato com os padres Oblatos de Maria Imaculada que dão assistência naquela área, para estudar uma forma de ajudar. Esta questão tratada por esse senhor não se restringe ao Jordão, mas está espalhada por todos os recantos das cidades de Pernambuco, do Brasil e do mundo. É, portanto, um desafio para todos nós, pessoas de Igreja e representantes do povo. Como tem sido difícil conseguir recursos para construir a primeira unidade da Fazenda da Esperança que estamos planejando para Jaboatão dos Guararapes! Investem grandes somas para construir prisões que logo superlotam e se tornam verdadeiras escolas de marginais, e utilizando o argumento de que o Estado é laico, negam recursos para obras que, comprovadamente, não só libertam das drogas, como dão sentido para a vida de pessoas que se encontram sem rumo. Evoquemos o mestre Joaquim Nabuco, o titular da medalha que hoje tenho a honra de receber, que nos ensina: “Há máquinas de felicidade dispendiosas que funcionam com enorme desperdício, e há outras econômicas, que, com as migalhas da sorte, criam alegria para uma existência inteira”. No domingo passado, o Jornal do Commercio apresentou uma longa matéria do jornalista Wagner Sarmento sobre a década do crack. Trazia a seguinte manchete de primeira página: “Crack domina o tráfico no Grande Recife”. E explicava: “Desde 2010, quando, segundo pesquisa da UFPE, pela primeira vez na RMR houve apreensões maiores do que da maconha, a realidade só tem piorado. Resultado aponta caminho que tem sido sem volta”.
Aqui, por trás da Assembleia, na Rua da União, temos um educandário fechado, pertencente a uma comunidade franciscana que atualmente se encontra na cidade do Rio de Janeiro. O imóvel nos foi oferecido para abrigar a Pastoral dos Moradores de Rua, problema muito sério, que envolve também questões referentes à dependência química. Com essa situação desumana dos moradores de rua convivemos todos os dias, e nos acostumamos a tal ponto que nem reagimos mais. É uma realidade presente nos grandes centros urbanos de nosso país. Como Igreja, queremos muito oferecer o mínimo de vida digna a esses nossos irmãos e irmãs que vivem no abandono e na incerteza. Poderíamos dispor desse espaço que nos foi oferecido em comodato por 20 anos, mas o que fazer diante da situação física em que se encontra o imóvel cada vez mais depredado, e a impossibilidade econômica de torná-lo utilizável? Tentamos parceria com a Prefeitura Municipal, porém, tudo caminha a passos lentos. O grande pensador Carlos Drumond de Andrade tem uma frase que diz: “Não é fácil ter paciência diante dos que têm excesso de paciência”. Mas, vamos manter a esperança: “Aquele que tiver paciência terá o que deseja”, assegura o jornalista e cientista americano Benjamim Franklin.
O grande diplomata, político, escritor, orador, poeta e abolicionista Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, que muito honra o nosso Estado de Pernambuco, se opôs de maneira veemente à escravidão, contra a qual lutou tanto por meio de suas atividades políticas, quanto por seus escritos. Fez a campanha contra a escravidão na Câmara dos Deputados em 1878 e fundou a Sociedade Antiescravidão Brasileira, sendo responsável , em grande parte, pela Abolição em 1888. As drogas são uma forma terrível de escravidão, com consequências ainda piores. Imitemos, portanto, o corajoso exemplo do nosso patrono lutando para, ao menos, diminuir este grande mal que gera depressão, morte e destrói a família.
Muito obrigado!
Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife