“Abre tua mão para teu irmão”

Neste ano de 2020, o Mês da Bíblia que a Igreja Católica sempre celebra em setembro terá de ser feito de modo virtual devido à pandemia. O livro escolhido este ano para leitura e reflexão é o Deuteronômio, com o lema “Abre tua mão para teu irmão” (Dt 15,11). O Deuteronômio não é dos livros mais conhecidos do Antigo Testamento. No entanto, é dos mais importantes e dos mais citados por Jesus.

O termo grego Deuteronômio significa literalmente “outra versão da lei de Deus”. Conforme se acredita, o núcleo deste livro consiste nos rolos do livro da lei, reencontrados no templo de Jerusalém, na época do rei Josias (2 Rs 22, 8 ss). É uma releitura da lei de Deus dada a Moisés no Sinai, com uma visão mais crítica à monarquia e à desigualdade social e com forte insistência na solidariedade aos pobres e necessitados.

Como é um livro antigo e proveniente de uma cultura oriental de mais de 2500 anos, o Deuteronômio contém alguns textos que legitimam a violência (Dt 2, 33- 35), a intolerância contra os estrangeiros e até a escravidão dos prisioneiros de guerra (Dt 3, 1- 7). Isso nos mostra não que Deus quer estas coisas e sim que, para transformar a humanidade, a Palavra de Deus se insere nas culturas humanas como elas são e assim vai propondo as transformações necessárias. Por isso, não se pode ler um versículo qualquer como se fosse uma palavra para hoje. É preciso ler a Palavra de Deus a partir do seu contexto histórico e social, assim como buscando sempre o que, através dela, o Espírito diz às Igrejas (Apoc 2, 7).

No Brasil atual, vemos um aumento terrível da pobreza e das desigualdades sociais e o agravamento da violência nas cidades e no campo. O documento final do Sínodo da Amazônia aponta que “a ganância pela terra está na raiz dos conflitos que levam à violência contra os povos indígenas, a criminalização dos movimentos sociais e seus líderes”. A cada dia se agrava a destruição da Amazônia e dos outros biomas brasileiros. E a sociedade é tentada a cair em uma onda de intolerância racial, social e religiosa que é contra o projeto divino de paz e justiça.

Neste contexto, é fundamental lermos o Deuteronômio, como profecia social. Principalmente, capítulos chaves como o capítulo 15 e o 24 que contêm medidas sociais a favor dos mais pobres. Dali vem a palavra que Jesus disse poucos dias antes de morrer: “Pobres, sempre tereis convosco” (Jo 12, 8). Ele quis assim retomar o Deuteronômio que estabelece regras para que a sociedade seja mais igualitária e possa obedecer ao projeto divino: “Não deve haver pobres no meio de vós” (Dt 15, 4).

Que a vivência de mais um Mês da Bíblia nos ajude a crescer no compromisso com a Palavra de Deus, assimilando-a como Palavra de Vida que nos motiva receber um “coração novo e um espírito novo, transformando assim nosso coração de pedra em coração de carne” (conf. Ez 36,26). A fraternidade cristã, inspirada nas Sagradas Escrituras, deve ser a meta a atingir e assim nos sentirmos, verdadeiramente, irmãos e irmãs.

Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife