No início deste ano de 2020, ninguém imaginaria que começaríamos o ano litúrgico de 2021, ainda sob a ameaça desta pandemia que assola o mundo inteiro. Para nós cristãos, não deixa de ser um desafio falar de esperança na manifestação gloriosa do Senhor Jesus, quando o mundo inteiro ainda não vê a luz que assinala o final do túnel no qual entramos com a Covid-19. A pandemia veio revelar a fragilidade de cada um de nós, mas também da organização social que não foi capaz de impedir a pandemia, nem de garantir à maioria de nossos irmãos e irmãs os cuidados necessários aos quais como cidadãos todos teriam direito. Além disso, a crise deixou vir à tona a desigualdade de nossa sociedade. Enquanto 85 milhões de brasileiros dependem da ajuda emergencial do governo para sobreviver, aproximadamente, quatro dezenas de bilionários brasileiros ampliam exorbitantemente seus ganhos (G1; Globo, 27/ 07/ 2020).

É neste contexto do mundo e do Brasil que o ciclo litúrgico nos traz este novo tempo. A liturgia nos presenteia com o tempo do Advento para nos preparar à celebração do Natal, não como se fosse apenas aniversário natalício de Jesus e sim como ação de graças por sua presença em nossas vidas. A celebração do Advento e Natal deve principalmente alimentar nossa esperança na manifestação (epifania) do Senhor na renovação do mundo. Quanto mais o mundo afunda em crise, mais é necessário que respondamos ao apelo do papa Francisco: “Convido (todos) à esperança que nos fala de uma realidade cuja raiz está no mais fundo do ser humano…” (FT 55).

O Advento nos abre a uma esperança nova. Afinal, em toda a Bíblia, a última palavra vinda diretamente de Deus está no final do livro do Apocalipse e, significativamente, é “Faço novas todas as coisas” (Ap 21, 5). A pandemia nos obrigará a viver um Natal novo. A necessidade do distanciamento social, a obrigação de evitar aglomerações e o cumprimento de outros protocolos, nos remete para a família, para a simplicidade. O “papai Noel” será on-line, o que nos faz olhar para o alto e agradecer ao “Papai do Céu” que cumpre o prometido nos enviando Jesus.

Penso que a primeira atitude interior necessária para nos abrir ao que o Espírito nos diz hoje é nos tornarmos capazes de sair de nós mesmos e superar um narcisismo que nos é natural, mas nos impede de vivermos o espírito da encarnação de Jesus que, como dizia Santo Agostinho: “esvaziou-se de si mesmo, ao assumir a carne humana e, ao se tornar um de nós, quis se fazer servidor de todos nós”.

Não tem sido fácil para o papa Francisco convencer os próprios irmãos de fé que a vocação fundamental de todos nós é a fraternidade universal e a amizade social, igual a todas as outras pessoas humanas. Ele já tinha escrito na Laudato sii: “É preciso revigorar a consciência de que somos uma única família humana” (LS 52).

Escrevo-lhes esta palavra na mesma semana em que celebraremos a memória de São Francisco Xavier. No século XVI, ele tentava evangelizar os pobres do Japão. Muitos não entendiam suas propostas, mas diziam: “se ele é tão bom e tão humano, como não deve ser o Deus que ele prega?”. Que o bom povo nordestino, principalmente os mais pobres e pequeninos de Deus possam, neste Natal, pensar o mesmo de nós. Assim, acolheremos o Verbo Divino que se fez carne em nossa carne.

Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife