Nestes dias, desejamos uns aos outros: “Feliz Ano Novo”. Ao dizer isso, contamos com a possibilidade de transformar o futuro em tempo novo. Há pessoas que pensam: “O tempo resolve tudo e sempre traz melhoras”. Infelizmente, isso não é verdade. A passagem do tempo não acarreta mecanicamente uma evolução para melhor. O que faz o tempo ser fecundo de algo novo é o amor. A história humana está grávida de Jesus, dizia Santo Agostinho, por isso Deus nos envia a espalhar no mundo sementes de solidariedade. Celebrar o Ano Novo tem este significado: colher as sementes de bondade, espalhadas na terra durante o ano passado e garantir que sejam semeados novos brotos de paz e justiça.
A alegria e a graça deste Ano Novo já começaram para todas as pessoas que pertencem à Arquidiocese de Olinda e Recife, no dia 5 de dezembro passado, quando celebramos cem anos de sua elevação.
Nos tempos bíblicos, a cada 50 anos, se celebrava um ano especial chamado Jubileu (Cf. Lv 25). O termo vem do hebraico jobel que significa trombeta. No início do jubileu, uma trombeta anunciava a libertação dos escravos, o descanso da terra e o perdão de todas as dívidas. A celebração dos cem anos deveria significar um duplo jubileu, isto é, um tempo especial de liberdade, graça e renovação.
Hoje, a sociedade é autônoma e muito diversificada. Não se organiza por normas de uma religião particular. Mas, a fé nos chama a assumir o sentido mais amplo do Jubileu para colaborar com a construção de um mundo de justiça, paz e comunhão com a natureza. Neste centenário da nossa arquidiocese, este espírito do Jubileu pode se expressar em três dimensões que se completam:
1º – reler o tempo passado a partir da perspectiva do projeto divino. Não se trata de idealizar tempos antigos, ou anos recentes, nem para nos justificar, nem para cairmos em uma nostalgia paralisante. O nosso tempo é agora. Deus confirma: “Faço novas todas as coisas” (Ap 21, 5). Se aceitamos recordar a história é para redescobrir como Deus nos tem conduzido pela vida. Recolhemos lições do passado para viver o “hoje de Deus” como tempo novo de unidade e renovação.
2º – dar graças é a postura fundamental de quem ama. E nós somos aqueles/as que cremos no amor, amor que é divino em nós” (Cf. 1 Jo 4, 16). O centenário nos chama a sairmos de nossa rotina e transformarmos aquilo que em nossa vida parece meio morno e entorpecido em nova abertura para a vida, expressa em ação de graças a Deus. Não se trata apenas de cerimônias passageiras, mas uma forma de viver na alegria da gratidão permanente.
3º – reassumir e intensificar o compromisso de servir mais e melhor ao projeto divino no mundo. É hora de deixarmos de lado diferenças de opinião ou sensibilidades e nos unirmos no caminho da paz, da solidariedade e transformação do mundo. Não vale a pena nos prender a questões menores, ou mesquinhas, que só servem para nos dividir. A fé nos convida a um olhar novo e mais profundo. São Paulo confirma: “o reino de Deus é justiça, paz e alegria no Espírito” (Rm 14, 17).
No dia 5 de dezembro, vivemos no Marco Zero do Recife uma festa belíssima e muito prestigiada pelo povo. Aquela concentração foi um sinal da nossa vocação para dialogar uns com os outros, nos abrir aos diversos grupos que compõem nossa Igreja local, como comunidade de comunidades. Assim, poderemos nos abrir a toda a humanidade, em um diálogo fraterno e amoroso e sermos testemunhas de que é possível construir um mundo de paz e unidade, a partir da diversidade de culturas e pensamentos. Se nem as pessoas que creem se esforçam por se entender, como podemos pedir isso a uma humanidade, cada vez mais, atraída pela competição e tentada por tantos conflitos?
O centenário da nossa arquidiocese se concluirá pelo ano em que toda Igreja universal recorda os 50 anos do início do Concílio Vaticano II. É importante pensarmos como poderemos celebrar este jubileu como tempo que nos ajude a reviver o espírito do Concílio. No dia do encerramento do Concílio, em Roma, (08 de dezembro de 1965), o papa Paulo VI começou sua alocução, dizendo aos bispos e fieis do mundo inteiro: “Para encontrar a Deus, é preciso encontrar o ser humano”.
Esta é a lição de Natal. Vivamos então este Ano Novo como tempo de maior esforço de diálogo com o diferente e de busca da unidade para sermos sempre testemunhas e construtores de uma humanidade renovada. A todos/as, católicos e evangélicos, cristãos e não cristãos, desejo como irmão e companheiro no caminho da vida, um abençoado e feliz Ano Novo!
Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo Metropolitano de Olinda e Recife