Anchieta, cedo apaixonou-se por nosso país, pelos que aqui habitavam, pela língua e o modo de ser deles. Reconhecia que o Espirito Santo já havia semeado nestes seres humanos o seu amor e que o ofício do apóstolo era simplesmente o de regar cuidadosamente tais sementes divinas.

Bruno Franguelli, SJ – Vatican News

“A disposição corporal é fraca, mas esta basta, com a força da graça, que da parte do Senhor não faltará.”

Estas palavras foram escritas pelo padre, já idoso, José de Anchieta. Ele não tinha mais as mesmas forças daquele jovem de 19 anos que aportou seus sonhos e ideais no cais da nação brasileira. Seu corpo marcado de cicatrizes por sua longa caminhada de mais de 40 anos e maltratado pelo agravamento da enfermidade adquirida ainda durante a adolescência, já não tinha o mesmo vigor físico. O profeta estava certo ao afirmar que belos são os pés daqueles que anunciam a Paz. Nossos montes e praias testemunham a marca dos belíssimos pés daquele que jamais se deixou carregar pelos índios que se sentiriam até honrados em fazê-lo, nem mesmo nos momentos em que sua enfermidade óssea se agravou.

Sobre Anchieta e demais jesuítas, Castro Alves poetizou:

Se aqui houve cativos — eles os libertaram.  
Se aqui houve selvagens — eles os educaram.  
Se aqui houve fogueiras — eles nelas sofreram.  
Se lá carrascos foram — cá mártires morreram.  
Loiola — aqui foi Nóbrega, Arbues — foi Anchieta! 

Diante destas palavras tão fortes uma pergunta pode nos vir ao coração: O que fez um jovem de apenas 19 anos, em pleno século XVI, dotado de uma inteligência incrível, que poderia até ser reitor de uma grande Universidade da Europa, ou mesmo colecionar títulos de honra e fama, escolher o contrário e ir ao Brasil trabalhar arduamente, viver para sempre no escondimento, nos bastidores da História, onde faltavam comodidades básicas, comida, tudo? Hoje, podemos olhar para os seus 63 anos de vida e afirmar com toda segurança: Anchieta escolheu o Brasil porque havia se decidido por Deus total e definitivamente e porque tinha assumido, já nos primeiros anos de vida, a linguagem louca e escandalosa da cruz.

Enquanto o jovem Anchieta, com grandes problemas de saúde, arrumava uma pequena trouxa para vir ao Brasil, alguns até sussurravam nos seus ouvidos: “Tu vais para o Brasil para morrer!” Ao que ele respondia: se eu ao menos conseguir ensinar um nativo a rezar a oração do Pai nosso e da Ave Maria, tudo isso não será feito em vão.” Mas ele foi mais longe, como afirmou o Papa Francisco na missa de agradecimento pela sua canonização: “ele lançou os fundamentos culturais de uma Nação em Jesus Cristo”. Ou seja, Anchieta, fiel ao carisma jesuítico sabia que não era possível construir uma nação sem uma atenção especial pela educação. O primeiro professor do Brasil tinha certeza que o futuro de uma Nação dependia da qualidade do ensino de crianças e jovens. O Brasil, mais do que nunca, precisa prestar bem a atenção no que o seu primeiro professor ainda tem a ensinar!

Daquela enfermidade, adquirida nos átrios de sua juventude, Anchieta jamais curou-se. Talvez nunca tenha pedido tal milagre a Deus. Não tinha tempo para dar atenção à sua dor. Estava muito ocupado em amar. Seu zelo, sua criatividade apaixonada desenhou os primeiros rabiscos da nossa cultura tão cheia de imaginação, de sonhos e de paixão pela vida. Não podemos negar, ou melhor, é maravilhoso afirmar com nossos olhos reluzentes que nossas raízes brasileiras são indígenas e traços delas permanecem e são evidentes em nós, na nossa alegria contagiante, no nosso amor à liberdade, na paixão pela música e pela dança, no nosso sagrado respeito e apreço ao diferente. É tempo de redescobrir nossas raízes, valorizá-las e amá-las.

Anchieta, cedo apaixonou-se por nosso país, pelos que aqui habitavam, pela língua e o modo de ser deles. Reconhecia que o Espirito Santo já havia semeado nestes seres humanos o seu amor e que o ofício do apóstolo era simplesmente o de regar cuidadosamente tais sementes divinas. Mas, corações fechados aos seus interesses mesquinhos e colonizadores, não compreenderam a linguagem do amor temperado pela gratuidade do serviço. Nossa nação sofreu, nossa nação ainda sofre! Talvez, porque continuamos a alimentar em nós um coração colonizador, no qual os interesses pessoais em explorar e apossar-se da sacralidade do bem comum se sobressaem àqueles que realmente podem libertar-nos do egoísmo e da tentação de até enganar o outro para conquistar vantagem pessoal em tudo.

Ao celebrar a memória do Apóstolo do Brasil, nossa memória é convidada a acomodar nela os passos firmes de José, com sua paciência, esperança e lucidez. Anchieta teve a coragem – parafraseando o mineiro Guimarães Rosa – de seguir em direção à terceira margem do rio, onde o real encontro acontece. Onde o coração descansado está pronto para atender o pedido de Jesus de costurar os buracos de nossas redes, colocar nossos barcos novamente em alto mar e nos lançarmos na luta pelos os sonhos com a confiança de que o nosso mínimo esforço jamais será em vão.

Passeie hoje, Apóstolo do Brasil, pelos nossos rincões tão sem esperança. Visite nossos palácios, onde as mesas estão fartas e tomam-se decisões importantes sobre os destinos da nossa Nação. Hospede-se novamente em nossas periferias e comunidades pobres onde se sobrevive com tão pouco mas, alí aprendeu-se a repartir. Percorra nossas escolas tão carentes, onde os professores se esforçam tanto, mas precisam ser melhor valorizados e formados e, com relação aos nossos alunos, estes necessitam de um ensino de qualidade. Entre em nossas igrejas, retire-nos da mediocridade e ensina-nos a evangelizar do jeito certo. E não nos deixe esquecer que os índigenas que você tanto amou ainda existem, têm direito ao seu chão e querem viver em paz. Deixe, José de Anchieta, as marcas dos seus belíssimos pés novamente em nossas lindas praias que você tanto contemplou, mas desta vez, poeta apaixonado pelo Reino, não escreva seus belos poemas somente nas areias, escreva-os no coração de cada brasileiro. Ensina-nos, Apóstolo do Brasil, a zelar pela nossa Nação, assim como você tanto a protegeu. E a amar o Filho de Maria com todas as nossas forças e fragilidades, com as nossas vitórias e fracassos. E quando se aproximar aquele dia derradeiro, nossos momentos finais, afirmemos, de todo o coração, contigo:

“A disposição corporal é fraca, mas esta basta, com a força da graça, que da parte do Senhor jamais faltará.”

Obrigado, São José de Anchieta, por conquistar nossa Nação para Cristo!

Fonte: Vatican News