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(A respeito da PEC 171 que trata da redução da maioridade penal)

Dom Fernando Saburido,
Arcebispo de Olinda e Recife

A Comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou no último dia 17 de junho a medida para reduzir a idade penal de 18 para 16 anos nos casos de crimes hediondos. De nada adiantou a recente nota pública da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) afirmando que reduzir a maioridade penal é uma medida imoral, além de inócua. Também a OAB e outras entidades se pronunciaram na mesma linha da CNBB. Foi ainda inútil argumentar que tal decisão viola a Constituição Brasileira de 1988 e, segundo a UNICEF, organismo da ONU, desrespeita a Convenção Internacional das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e do Adolescente, que o Brasil assinou em 1989.

Infelizmente, no nosso país, percebe-se que no lugar de argumentos sólidos, as pessoas se deixam envolver pelo clima emocional criado por alguns meios de comunicação de massa e por preconceitos de classe que acabam sempre penalizando a pobreza e condenando a maioria de nossos jovens à marginalidade.  Afinal, como afirmou a nota da CNBB: “Para a ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Ideli Salvatti – antes de discutir a violência cometida pelos adolescentes, precisamos tomar providências efetivas em relação à violência cometida contra os jovens. Hoje, os casos em que os adolescentes cometem atos infracionais que provocam a morte de alguém representam o percentual de apenas 0,1%, enquanto os adolescentes se constituem como 36% das vítimas de homicídio”… “É, portanto, imoral querer induzir a sociedade a olhar para o adolescente como se fosse o principal responsável pela onda de violência no país”.

Todos sabem da situação do sistema prisional brasileiro. Prisões superlotadas, condições carcerárias desumanas, insegurança total de vida e da integridade dos prisioneiros. Conforme os agentes da Comissão Nacional da Pastoral Carcerária, os presídios e cadeias servem como instrumentos de punição e vingança da sociedade e não, como deveriam ser, centros de reeducação das pessoas e reintegração social. Por isso, acabam se tornando mais escolas do crime do que meios de reabilitação. Uma pesquisa feita em São Paulo revela que 60% das pessoas que estiveram em presídios brasileiros acabam voltando. Desses, quase todos são pobres e de periferia e a maioria negros.

Muitos têm escrito sobre as falhas jurídicas e sociológicas que um tipo de iniciativa como a redução da maioridade penal acarreta. Como ministro da Igreja, prefiro apontar a aberração que é o fato de que muitos parlamentares que levantam esse tipo de propostas se dizem cristãos.  É um insulto ao Evangelho o fato de que, no Congresso atual, os que se dizem da “bancada da Bíblia” se unam aos da bancada da Bala (defensores da violência como solução dos problemas sociais) e do Boi (antipáticos à reforma agrária e indiferentes aos pequenos lavradores e índios). Todos esses, em geral, a serviço dos seus interesses ideológicos ou partidários, não ligam minimamente a fé com a ética. Ainda não entenderam que na Bíblia, o nome de Deus é “O Senhor, nossa justiça” (Jr 23, 6). Essa justiça divina não é como a dos homens – simplesmente punitiva e até vingativa. Ela é como defende a Pastoral Carcerária, uma justiça restaurativa. Torna o presidiário responsável por sanar de todos os modos possíveis os prejuízos causados por seu crime, mas de modo que o objetivo seja a redenção da pessoa e a libertação tanto dos culpados, como das vítimas. O anúncio do reino de Deus propõe ao pecador a conversão e inclui o perdão, baseado na justiça restaurativa, capaz de refazer laços sociais solidários. Evangélicos ou católicos, que apresentam de Deus a imagem de um carrasco cruel e vingativo não merecem o nome de cristãos. A mensagem fundamental de Jesus é o amor e a não violência. Sua proposta é a solidariedade como principio de vida, sobretudo com os mais pequeninos e frágeis da sociedade. Por isso, como declara a citada nota da CNBB: “A Igreja no Brasil continua acreditando na capacidade de regeneração do adolescente, quando favorecido em seus direitos básicos e pelas oportunidades de formação integral nos valores que dignificam o ser humano”.