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ARQUIDIOCESE DE OLINDA E RECIFE

Dom Antônio Fernando Saburido, OSB

Arcebispo Metropolitano

Leituras: 1Jo 1,1-4 – Sl 96(97) – Jo 20, 2-8.

Caríssimos irmãos e irmãs:

            Celebrando a oitava do Natal do Senhor e, dentro dela, a festa do Apóstolo e Evangelista São João, autor do quarto evangelho, de três belas epístolas e do livro do Apocalipse, os nossos corações que, por esta motivação tem razão suficiente para se regozijar, hoje se alegram ainda mais, em unidade com a comunidade do Mosteiro de São Bento de Olinda, por ocasião da bênção abacial de seu novo abade Dom Luiz Pedro Soares. Para mim, particularmente, por ser monge deste mosteiro, sinto-me especialmente honrado por presidir essa celebração.

Ao “Discípulo Amado”, cuja festa hoje celebramos, devemos um Jesus mais íntimo, aquele que mais profundamente se manifesta Filho de Deus feito homem. Está em sua primeira carta a mais precisa e clara definição de Deus: “Deus é amor” (4,8). Sendo discípulo de João Batista, foi encaminhado a Jesus por seu mestre, tornando-se um dos mais ativos membros do grupo, a quem o Senhor muito confiou. Foi o único apóstolo presente, ao lado de Maria, aos pés da cruz e lá representou a todos nós ao acolher a mãe de Jesus como sua e nossa mãe. Disse Jesus à sua mãe: “Mulher, eis o teu filho” Depois disse ao discípulo: “Eis a tua mãe” “E a partir dessa hora, o discípulo a recebeu em sua casa” (Jo 19, 26b-27).

            O texto do Evangelho que acabamos de ouvir nos mostra a grandeza e disposição atlética desse discípulo que ao escutar de Maria Madalena a notícia do sepulcro vazio, logo dirige-se ao local e chegando primeiro que Pedro, assegura que mais correu aquele que mais amou, porém, tem a humildade de esperar que primeiramente Pedro tenha acesso ao túmulo e constate os fatos. Somente depois, ele entra e conforme diz o texto “viu e acreditou”. Sem dúvida, uma significativa lição para todos nós. A maneira de agir do mundo atual, que privilegia o ter e o ser não faz caso desse tipo de comportamento, fruto de um coração humilde, que sabe esperar a sua vez.

            A humildade é uma das mais importantes virtudes para o cristão! Iluminado pelas Sagradas Escrituras que ensina: “Todo aquele que se exalta será humilhado e todo aquele que se humilha será exaltado” (Lc 14,11), São Bento dedica um capítulo inteiro, a esse tema e apresenta os doze graus da humildade a ser observado “se o monge deseja atingir o cume da suma humildade e se deseja chegar rapidamente àquela exaltação celeste para a qual se sobe pela humildade da vida presente”, diz São Bento. Na conclusão do longo capítulo sétimo, assegura: “Tendo, por conseguinte, subido todos esses degraus da humildade, o monge atingirá logo, aquela caridade de Deus que, quando perfeita, afasta o temor; por meio dela, tudo o que observava antes, não sem medo, começará a realizar sem nenhum labor, como que, naturalmente, pelo costume, não mais por temor do inferno, mas por amor a Cristo, pelo próprio costume bom e pela deleitação das virtudes”.

            A vida religiosa, em geral, é chamada a viver e testemunhar essa virtude e, em consequência, construir a fraternidade não somente entre seus membros, mas entre as pessoas, como parte integrante do anúncio do Evangelho. A fraternidade cristã não é simples sentimento natural de filantropia, como falou o papa Francisco, que leva a uma relação que cria vínculos de afeto e amizade com os semelhantes. A fraternidade do NT tem sua expressão máxima na maneira de ser das primeiras comunidades cristãs, conforme descreve os Atos dos Apóstolos: “Todos os que tinham abraçado a fé reuniam-se e punham tudo em comum: vendiam suas propriedades e bens, e dividiam-nos entre todos, segundo as necessidades de cada um” (Atos, 2,44-45). O saudoso Dom Basílio Penido, que durante tantos anos foi abade deste mosteiro, costumava dizer que a vida monástica é um verdadeiro modelo de comunismo. Despojando-se de tudo, renunciando aos bens materiais e dependendo de licença e recursos dos superiores para as necessidades mínimas, o religioso comprova que a verdadeira alegria não está nos bens ou poderes transitórios, mas, nos valores eternos. Nessa atitude monástica percebemos a presença da humildade e da fraternidade.

            Nos últimos meses do Ano Santo da Misericórdia, em setembro passado, o papa Francisco, no encontro com os abades e abadessas, por ocasião do Congresso Internacional, assim se manifestou: “Neste momento, e nesta Igreja chamada a se concentrar mais e mais no essencial, os monges e as monjas guardam por vocação um dom notável e uma especial responsabilidade: a de manter vivos os oásis do Espírito, onde pastores e fiéis têm a possibilidade de beber das fontes da misericórdia divina. Por isso, na recente Constituição Apostólica “Vultum Dei quaerere” (A busca do rosto de Deus), assim me dirijo às monjas, e por extensão a todos os monges: “Para vós permaneça ainda e sempre válido o lema da tradição beneditina ‘ora et labora’, que ensina a encontrar uma relação equilibrada entre a tensão para o Absoluto e o empenho nas responsabilidades diárias, entre a quietude da contemplação e a prontidão do serviço” (n.32). Procurando com a graça de Deus, viver da misericórdia nas vossas comunidades, anunciais a fragilidade evangélica desde todos os vossos mosteiros espalhados em todos os ângulos do planeta; e o fazeis por meio daquele silêncio eloquente e operante que deixa Deus falar na vida ensurdecedora e distraída do mundo”.

            As palavras do Santo Padre busca motivar as comunidades monásticas para a importância da contemplação e ao mesmo tempo da ação, respeitando-se naturalmente os carismas. Este mosteiro de Olinda teve, sobretudo no passado, grande envolvimento nas grandes lutas e desafios pastorais desta Igreja Particular. Isso aconteceu tanto no acolhimento e orientação espiritual de padres e leigos, quanto na formação dos nossos seminaristas, oferecendo professores e até, com sua Escola de Filosofia e Teologia, aberta para as dioceses. Sem falar nas atividades pastorais paroquiais e na defesa e assistência aos pobres e oprimidos pela fome e pelas perseguições políticas, como aconteceu durante os anos da ditadura militar. Foram belas páginas, escritas ao longo da história e que esperamos que continue no abaciado que ora se inicia. Que a vida beneditina, contemplativa e ativa, nesta nossa querida arquidiocese, contribua de fato para que sejamos uma Igreja em estado permanente de missão.

Não poderia deixar de recordar as sábias palavras do nosso pai São Bento, no capítulo 64 de sua regra, quando trata “Da ordenação do Abade”. “O Abade ordenado pense sempre no fardo que recebeu e a quem deverá prestar contas de sua administração e saiba que lhe convém mais servir que presidir. Deve, pois, ser douto na lei divina, de modo que saiba e tenha de onde tirar “coisas novas e velhas”. Seja casto, sóbrio, misericordioso e ponha sempre a misericórdia acima da justiça, para que consiga o mesmo para si. Odeie os vícios, ame os irmãos. Na própria correção proceda com prudência e sem excessos, para que, raspando demais a ferrugem, o vaso não venha a quebrar. Suspeite sempre de sua própria fragilidade e lembre-se que não deve esmagar o caniço já rachado. Não dizemos, com isso, que permita que os vícios cresçam, mas os ampute com prudência e caridade, segundo julgar conveniente a cada um, como já dissemos. E se esforce por ser mais amado que temido. Não seja turbulento nem ansioso; não seja ciumento nem muito desconfiado, pois nunca terá descanso. Nas suas ordens seja prudente e refletido. Se mandar fazer algo referente às coisas divinas ou seculares, faça-o com discernimento e moderação lembrando-se da discrição do santo Jacó, que dizia: “Se eu fizer meus rebanhos trabalharem andando demais, morrerão todos num só dia”. Aproveitando esses e outros exemplos de discrição, mãe das virtudes, equilibre tudo de tal modo que os fortes encontrem o que desejam e os fracos não fujam. E, sobretudo conserve em tudo a presente Regra, para que, depois de ter bem administrado, ouça do Senhor o que Ele disse ao bom servo que distribuiu o trigo a seus conservos no devido tempo: “Em verdade vos digo, ele o estabelecerá sobre todos os seus bens” (64,7-22).

O lema escolhido por nosso querido abade Dom Luiz Pedro é “Spem suam Deo committere” (Colocar toda esperança em Deus). Por outro lado, a imagem que ele escolheu é a do Bom Pastor “iconizada” por Gustavo Montebello, um discípulo de Cláudio Pastro, falecido recentemente. Esta imagem está presente no convite para a sua bênção abacial e na sua cruz peitoral. É um Bom Pastor diferenciado porque é o Ressuscitado que “protege” a sua ovelha colocando-a sob o seu manto. A ovelha por sua vez prende  a sua pata no cajado do Bom Pastor como sinal de discipulado obediente para imitar Jesus Cristo que dá a vida pelos seus. O Bom Pastor está na clássica posição do Pantocrator abençoando.

Meu caro abade Dom Luiz Pedro, nada mais sábio do que colocar toda a esperança em Deus, lembre-se sempre de que somos “servos inúteis”. A Ele toda a glória e poder! A grande sabedoria está na prática das virtudes da humildade e da caridade. A imagem do Bom Pastor que levará no peito lhe recorde sempre a responsabilidade com a santificação dos irmãos que Deus lhe confiou, conforme recomenda São Bento. Procure amar e servir a todos, indistintamente, formando assim uma verdadeira família de irmãos que vivam na alegria e possam testemunhar a paz e a unidade que somente em Deus poderemos encontrar.

            Dom Luiz, termino invocando a proteção de Nossa Senhora para sua pessoa e para este amado mosteiro. Aquela que, conforme citamos no início, estando aos pés da cruz foi confiada aos cuidados do Apostolo João, interceda e acompanhe os seus passos e de toda a comunidade beneditina, interna e externa formada pelos nossos irmãos oblatos e oblatas, sob seus cuidados de pastor.

Amém!

Dom Antônio Fernando Saburido, OSB

Arcebispo de Olinda e Recife.
Olinda, 27 de dezembro de 2016.